quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

instruções para dizer adeus

Adeuses acontecem em estações de trem, em aeroportos, em portões e em camas. Nunca se deve interromper um grupo ou um casal de pessoas se despedindo. Não se interfere no momento em que há coisas ficando pra trás e coisas indo. O movimento fixo e fluxo e sem-jeito que há naqueles compassos de abraços é unicamente limitado em termos de tempo e espaço. Seria como se jogar nos trilhos do trem. Também não se deve olhar muito; porque o olhar, invejoso ou não, transforma o campo energético em uma fumaça que se dissolve. 

O jeito correto de dizer adeus é calculável. Primeiramente, deve-se segurar as lágrimas o máximo possível e conter as palavras. Nesse momento, a palavra não é necessária. O mais necessário é o uso dos braços para se colocar os corpos juntos um ao outro. Às vezes, sentir o batimento cardíaco do outro – que não é o você. Embora os dois batimentos às vezes se misturem e sua percepção seja incapaz de distingui-los. O tempo do abraço, no entanto, não é calculável. E, também, um abraço mais longo não necessariamente significa mais amor, mas saudade. O tempo do abraço é sempre decidido e imposto pelos participantes desta.
Há pouco a se fazer depois dessa intensa troca de calores, pois os corpos devem se separar e partir. Não se deve chorar. Os batimentos cardíacos se dispersam. O próximo passo é a troca de olhares entre você e o outro. E aí você se vai. Ou o outro se vai. Alguém se vai. Talvez pra logo voltar. Talvez, nunca mais.

Crônica inspirada em Júlio Cortázar
Dedicada à Laila Kontic.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

soa pretensioso, mas é verdade

Overwhelming. É o que respondo à constante pergunta "como é estar em casa?" ou "como é voltar?". Me falta a palavra em português e, por isso, às vezes mantenho a palavra em inglês por falta de vocabulário. Ontem, cheguei muito cedo no Aeroporto de Guarulhos e meu português parecia normal enquanto tentava ignorar a dor de cabeça e abracava meus pais e minha irmã. Algumas horas mais tarde, meus avós bateram na porta da minha casa - como a felicidade bate à porta - trazendo algo que sinto muita falta: temaki! E logo mais recebi a visita do meu irmão/vizinho/melhor amigo, que mal consegui falar nas outras vezes em que passei pelo Brasil, mas me parece que ainda estamos na mesma - amizades que não degradam. Talvez ele me preste uma visita pelas bandas balcânicas e nada me traria mais felicidade.
Saí para o aniversário de um pequeno grande amigo e deparei naquele grupo de cinco pessoas em que eu não me encontrava há muito tempo. Foi curto e meu cansaço me tornou um zumbi mudo, quase incapaz de sorrir, mas ainda estava feliz - embora a dor de cabeça.
Voltei pra casa e fui capturada por Mostar, por todos os problemas e responsabilidades que achei ter deixado pra trás. Engano meus. Sigam-me os fortes: há problemas muito fortes. Joguei palavras nesse maldito mundo virtual enquanto desejava poder estar gastando minha saliva e usando minhas cordas vocais. Detesto brigar. E a verdade é que eu nem sequer sei brigar. Mas é melhor eu aceitar, compreender que provavelmente esses dez dias não serão suficientes pra que eu retire minha mente e meus músculos daquela bolha do outro lado do Atlântico. Não me parece de todo ruim. Não se pode esquecer o que te perturba.
E como planejado, à noite estava na festa de formatura da minha série - do colégio em estudei até a 8ª série - encontrando uma multidão de gente. Não estou mais acostumada com isso. E embora tenha sido muito, muito bom encontrar certas pessoas, aquele ambiente me cansou. Nem conversar direito consegui e me doeu abraçar pessoas sabendo que não as abraçarei outra vez antes de Julho - ou mesmo depois - e nem terei a oportunidade de conversar com elas. E me parece difícil agora ver o que tenho em comum com elas. Meus amigos se formaram e agora seguem as vidas, fingindo crescer, mas empacados no mesmo lugar da sociedade, com os mesmos valores burgueses e as mesmas formas de olhas pras coisas ao seu redor - e não necessariamente me excluo completamente disso. A entrada na faculdade não é, de fato, um fator transformador. Pelo menos por ora.

Charlotte: I just don't know what I'm supposed to be.
Bob: You'll figure that out. The more you know who you are, and what you want, the less you let things upset you.
Lost in Translation

sábado, 14 de dezembro de 2013

minhas lágrimas em seus bolsos

"you just keep proving how awesome you are!" e um abraço; assim que desci do palco.. Nesses momentos me dou conta que eu não preciso de nada mais, que são essas grandes amizades que me sustentam, que sustentam toda essa estrutura ao meu redor que vai além daqueles microfones que pareciam me prender estática naquela cadeira. Só podia mover as mãos, os braços, as cordas vocais, o meu diafragma. Medo de palco, algo que, minha mãe diria, eu nunca sofri na infância. Mas aí era a segunda vez na semana que meu corpo inteiro parecia tremer por causa daquelas luzes quentes em cima de mim e a escuridão na plateia com pessoas gritando meu nome e aplaudindo. E nem era um sonho. Mas foi naquela troca de olhares que eu lembrei da noite anterior, quando quebrei sua caneca e quando ríamos muito do quão socially awkward eu estava após duas horas sozinha, na sala de música, com toda aquela energia e aquela natural chemistry. Me acalmei. E não sei ao certo como foi, mas algo saiu dali e eu ouvia Andrew gritando "Latinas!" da plateia, enquanto tentamos arriscar nossas harmonias e nosso pouco entendimento do significado real da letra da música. El tiempo está después, cantávamos.
Eu ainda estava nervosa quando Marta desceu do palco (após um grito "Marta linda!" de Lucas) e logo em seguida, Markéta subiu. Acho que me acalmei um pouco enquanto afinava o violão e ela anunciou pra plateia que estaríamos cantando aquela música em homenagem a Bo e Amber. Levantei a cabeça e vi as duas ali na frente, abraçadas, felizes, amadas. We care too much. E foi outra química natural que se desprendeu de nós pelo ar em forma de notas musicais, de palavras que por nós foram ouvidas tantas vezes naquela varanda que um dia pertenceu a Bo e agora pertence a Amber. Nossos tempos em Musala. E sempre me dá aquele aperto no coração e uma vontadezinha de chorar. Uma saudade muito forte; é o que sinto em relação a Bo, Markéta e Bengisu, de quem me afastei fisica e geograficamente, mas que ainda significam mais pra mim do que eu poderia imaginar. Sempre me surpreendo. Infinity.
A semana passou mais rápido do que eu poderia ter imaginado. E foi assim de um dia pro outro que as pessoas começaram a ir embora com suas grandes malas, com sorrisos no rosto em estar indo pra casa, mas com um brilho curioso nos olhos, evitando chorar. Sarah me disse que eu não estava sonhando, que, de fato, parecia que essas despedidas estavam sendo muito mais difícil pra todos nós esse ano do que ano passado, porque estamos tão mais próximos como uma comunidade. Unidade. E foi assim que me encontrei sentada em diversas camas, assistindo amigos empacotarem suas coisas e deixando seus quartos, deixando Musala e deixando Mostar pra trás pra um inverno tenebroso (o mais frio?).
Mas tudo isso foi apagado por um tempinho quando Marta e eu corríamos rua acima, nos sentindo culpadas por estar meia hora atrasadas pro nosso Latino Dinner, tentando criar as melhores desculpas pros meninos. Bullshit. Estávamos todos atrasados. E,  na verdade, Simon chegou somente um minuto antes de nós e Noam e Lucas apareceram muito depois. Mas comemos nossos nachos e tivemos nossa divertida reunião parental. Acabamos o jantar com nosso Amigo Culto (estilo Brasília), que foi uma delícia e rendeu um relógio de bolso pra Noam, uma malha para Simon, luvas para Lucas (dadas por mim), um jogo de dardos para Marta e uma carta (que foi a prévia de um lindo presente que foi deixado no meu quarto durante a noite enquanto dormia) com um desenho da nossa caminhada montanha acima que aconteceu pela manhã (ir à escola no último dia de aula? Pra quê?). Família, é claro. E acabamos debaixo da Old Bridge, com Simon declarando que havia sido ali onde passara a primeira e a última noite do term. Os quatro deitaram no meu colo e dávamos risadas em frente àquele rio, no ar congelante de Mostar. Feliz, feliz, feliz! Un dia nos encontraremos en otro carnaval.
Nos movemos pra Black Dog, um bar em plena Old Town, onde nos encontramos com os 'restantes'. Mas queríamos uma palacinka e caminhamos em direção ao Palacinka Bar. Me deparei com Matea no meio do caminho. Foi um choque gigantesco encontrar uma segundo ano, ainda mais Matea, que passava tanto tempo no meu quarto. Choque. Eu e Elissavet continuamos caminhando, num silêncio processante da matéria daquele encontro em frente ao colégio.
Segundos anos às vezes são como esses fantasmas que nos perseguem sempre. Nos perseguem quando sentimos falta deles e eles parecem não se ausentar de nossas mentes e nos perseguem quando aparecem aqui e trazem com eles tantas memórias esquecidas. Encontrei uma carta na caixa do correio com um colar dentro dele, enviado de outro continente. Agora carrego os fantasmas no pescoço e os ombros pesam nesse alívio de sonhar com água de coco e com caminhadas na Paulista. Mas há muita, muita coisa que me assombra nesses dias. EE, Lab Reports, ToK Essay, College Applications. Quero pausar o tempo e deixá-lo pra depois.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

submersão e enroscamento (así)

Mais uma vez me encontro naqueles tempos em que arrumar a cama pela manhã me parece uma coisa irrelevante. Aqueles momentos em que tento conseguir o máximo de sono que eu consigo, em intervalos entre um trabalho em outro. Acordo com aquelas olheiras imensas e uma vontade de voltar pra cama. Mas não há tempo pra gastar com dormir e tenho que constantemente lembrar-me do quanto detesto perder tempo adormecida.
A (o?) Winter Gala foi maravilhoso ontem. Peguei-me com todas as memórias do evento do ano passado, o quão maravilhoso foi organizar aquilo com Bengisu. Lembro-me de estar limpando Abrasevic na manhã seguinte e ter essa sensação tão boa com Bengisu, de dever comprido. Esse ano, não poderia ter pedido por uma melhor equipe pra organização. Não só porque acabamos tendo uma Winter Gala maravilhosa e cheia de amor, mas também porque me diverti muito colocando papeis nas mesas, enfeitando as paredes e preparando tudo para a chegada de todo o resto da escola. Muito agradecida por estar nesse lugar. E foi por isso que me desafiei a ir ao palco durante as reflexões, para dizer o quão feliz estou, o quão maravilhoso esse lugar é e o quão agradecida eu sou por estar cercada por essas pessoas incríveis. Citando a mim mesma (não com as exatas palavras): “Ano passado, vários dos meus segundos anos vieram ao palco e falaram sobre o quão triste era que a vida UWC deles estavam acabando; o quanto eles tinham inveja de nós por termos mais um ano e meio nesse lugar incrível. Mas a verdade é que ¼ ainda é muito tempo. ¼ da nossa vida UWC significa muitas outras aventuras e descobertas. Mas afinal de contas, por que chorar por causa desses ¾ que já se foram? Vocês se arrependem deles? (Christina gritou “fuck no” da plateia) Porque eu não me arrependo e sou muito feliz por tudo que aconteceu durante esse um ano e meio.”. Foram palavras que não significaram nada. Que não expressaram nada do que eu realmente queria transmitir, mas foi um pedacinho do que eu penso sobre isso tudo.
O Winter Gala também representou, pra mim, algo tão pequeno e tão simbólico. Um pequenito ritual de passagem. Um microfone e tudo o mais. Continuidade, porque tudo vai e tudo passa, segue em frente. Já preparamos o chão pra quando nos formos, tanto eu quanto Si-Jull.
Mas bom, Winter Gala já foi. E agora é hora de continuar com o maravilhoso WAF (Winter Arts Festival). Segunda-feira, tivemos uma sessão de poesia e uma jam session em Next que rendeu bons momentos e um particularmente emocionante. Hoje, há uma performance da turma de teatro (é doido pensar que era pra eu estar lá com eles), que inclui minhas queridas Tamar e Paula. A Casa de Bernarda Alba, por García Lorca. Incrível.
Amanhã, há o show. A melhor parte. A parte que me causou arrepios profundos ano passado. E dessa vez, estarei eu no palco: uma vez ao lado de Marta e outra ao lado de Markéta. Isto é... se eu conseguir finalmente ensaiar com elas. É uma vergonha que estejamos apresentando amanhã e eu ainda não tenha ensaiado com elas. Mas, outra vez, prova minha falta de tempo.

Amadas queridas amigas que me pegaram de surpresa pra uma 
foto espontânea ao final da Winter Gala. Um quinteto único.

Convite eletrônico da Winter Gala feito pela querida Malak

Poster do WAF!

domingo, 8 de dezembro de 2013

dois em um e um em dois

Limbo. Não me lembro de ter me sentido assim em outro momento da minha vida. Sempre tento me focar no presente, no agora e aqui. Mas agora me parece tão difícil, porque o agora não é só aqui. Acho que sou uma das únicas pessoas daqui - internacionais - que mantém um laço tão forte com a vida back home - não que aqui não seja home. E devo dizer que é uma das decisões mais sábias que eu faço quando estou cheia de trabalho da escola e ainda abro um tempinho na minha vida corrida pra ouvir uma reclamação, pra saber um pouco da vida das pessoas. E é difícil. Mas ao mesmo tempo, eu sei que eu mantenho essa minha base; que assim que eu pisar no Brasil, eu vou estar em casa, que meus amigos não vão se tornar estranhos enquanto eu não quiser que eles se tornem. Que essas carinhas no Skype e essas palavras no chat do Facebook e nos emails que recebo são muito importantes na minha vida - e que sou importante na vida delas também. Eu não sei viver aqui por completo. Não me é possível, porque as pessoas com quem eu passei a maior parte da minha vida não estão aqui. E mesmo que me fosse mais fácil seguir em frente, deixar pra trás, por que eu faria isso? Que tipo de irmã, filha, amiga, confidente seria eu? Meus amigos aqui se impressionam com a importância que eu dou pra meus amigos no Brasil (e também meus amigos do CISV pelo mundo) e eu sorrio, porque sei que eles lamentam a falta de amigos back home, porque eles não reservam um tempo na vida agitada pra preservar as amizades. Você não pode esperar que seus amigos não te esqueçam enquanto você parece ter os esquecido.
Mas esse limbo não é fácil. Há problemas aqui e problemas lá. E quando a vida aqui está muito boa e cheia de sorrisos e energia positiva, tenho a tendência a pensar na minha vida no Brasil como um universo paralelo. Mas quando as coisas de lá parecem muito boas ou muito ruins, eu tenho a tendência a me prender num limbo de tempo em espaço em que não sei onde estou. Não sei o que quero e não sei no que quero investir meu tempo. Só sei que quero abraçar as pessoas de lá e quero abraçar as pessoas daqui e poder sentar na mesa do refeitório. E me é muito estranho quando, nesse mesmo refeitório, as minhas 'vidas' se misturam numa figura que me foi muito importante em Mostar e que conversa comigo num português gringo e impressionantemente bom. Limbo.
Não podia estar mais agradecida ao meus pais por terem investido tanto dinheiro e por terem insistido tanto em me ver, em me trazer ao Brasil mesmo que por poucos dias. Não podia estar mais feliz em estar indo pra cidade em que nasci e cresci, em ver meus amigos e minha família. Só mais 8 dias. Sinto que toda vez que abraçar Pedro, Mário, Isa, Helo, Lucas e outros eu vou querer chorar. Porque a saudade nunca foi tão forte e eu nem sei porque. Talvez por causa desse terceiro semestre - que é supposed to be o mais difícil de todos.
Mas nesse exato momento, eu não sei. Porque por mais que eu queira ir pra casa, não quero pensar em ir embora de Mostar. Não consigo pensar em ficar um mês sem meus latinos queridos, sem as longas conversas depois do check-in, sem os conflitos no meu quarto e as caminhadas por Mostar. Limbo. E essa semana me parece um obstáculo gigantesco que só vai me levar mais e mais perto do outro continente e mais longe daqui. Estou cansada daqui, cansada desse período de vida em que se tem que pensar no próximo.

sábado, 7 de dezembro de 2013

devaneios das once y diez

Termino a prova vinte e cinco minutos antes de seu término oficial. Não consigo dormir, embora tente de diversas formas: costas eretas, costas curvadas, mãos pendendo da mesa, mãos como travesseiro, a apostila da prova como travesseiro. Não sei por quê. Percebo o tic-tac do meu relógio de pulso e tento calá-lo. Não consigo. O tic-tac continua ecoando em mim mesmo que eu não consiga ouvi-lo de meu pulso. Então olho pra cima e percebo outra fonte intermitente de minha perturbação. O relógio na parede. Começo a narrar a situação, tentando fazer o tempo passar mais rápido – o que não me parece necessário. Começo descrevendo o incessante ponteiro e me pego perturbada com a minha metáfora de ponteiro em forma de cobra. Tento começar de outro ponto. O futuro. Vejo o futuro tão claramente. O futuro próximo segundo de minha vida... Passou! E outro! Meu futuro assim tão depressa! E que diabos é o meu futuro se não os centímetros que se descoloca o ponteiro? E aí penso no porque de estar sentada ali, naquela prova. Rio por dentro. Nem eu sei a resposta. E penso na definição de futuro, que pra mim parece tão diferente. Quando se pensa em futuro, se pensa em faculdade, trabalho, sucesso ou em casamento, filhos, família. Quanto ao meu futuro, prefiro pensar no meu estado mental, físico, emocional. Por que nunca me perguntam sobre esses meus desejos para o futuro? Porque é tão óbvio que eu quero ser saudável e feliz? Engraçado, às vezes tomamos certas coisas como premissas. Que coisa estúpida. Nunca é como estou, como estarei, como estava; é sempre o que faço, o que farei e o que fazia. Mas que desgraça de conjugações! Não sei conjugar em Espanhol (gusta o gustas?). Repenso uma das questões do teste. E eu perco tempo, às 11h10, pensando nisso tudo. O que é perder tempo? Porque sinto que perco tempo fazendo essa prova e perco tempo pensando no meu futuro acadêmico. Por que a sociedade quer tanto essa educação de alto nível, standardized? A educação vai muito além de salas de aulas, monografias e trabalhos acadêmicos. Por que passa pela cabeça que essas horas de estudo e esforço não me servem de nada além de tentar aproximar esse “futuro” de que tanto me falam? E se eu preferir gastar tempo com a arte? Não há futuro? É o que dizem. E queria que esses métodos tradicionais de educação tivessem menos significado. Porque nunca vai ser sobre como estou; vai ser sempre sobre o que faço. Eu faço ir à escola, faço estudar, faço aplicar, faço trabalhar. Mas eu não posso fazer felicidade, tristeza, saúde, amor. To do, to make. E queria mais tempo nesses segundos incansáveis regulados pelo ponteiro de segundos da sala G2. Olho pela janela e me deparo com o céu azul pleno, as montanhas marrons e verdes, mas, acima de tudo, me deparo e me encanto com as aves. Nunca me perguntei que aves negras são essas que sempre avisto pela janela. E agora as assisto dançando pelos ares, se juntando e se dispersando de acordo com o balanço do vento. Elas não pensam no futuro, na direção que o vento vai leva-las. Só dançam com a natureza. Sem fim. E eu, aqui, no meu mundo individualista e egocêntrico, pensando num futuro que não passa de uma cobra dançando em volta do centro do relógio. Traiçoeira, arrasta-me ao futuro e tento voar pra fora. Misericórdia.

PS: esse texto foi escrito após meus SATs, no verso do meu admission ticket por falta de outro papel no qual escrever

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

cóndor de areia

Não foi a semana cultural mais successful. Não foi nem perto do que eu, Anita e Erika gostaríamos que tivesse sido, mas foi nossa culpa, culpa do tempo, da série de desafortunados eventos que tornaram mais e mais difícil a organização dos eventos. Mas não deixou de me trazer bons momentos. Desde passar a cuia na roda e assistir pessoas se desapontando com o gosto. Elissavet quando criança assistia a novelas argentinas e experimentar chimarrão foi a realização de um sonho de infância. Mais e mais gente adentrava a sala comunal e se juntava ao nosso momento cozy com um pouco de música folclórica (para a alegria de Simon) e mais Calle 13. Fiquei impressionada com "No" de Pablo Larraín, um filme impressionantemente bom; um retrato muito bom de campanhas políticas, de marketing e, é claro, da ditadura militar no Chile no seu lado mais desesperançoso - a esquerda.
Passei a semana andando de cima pra baixo com um tripé debaixo do braço e a câmera no outro, tentando gravar o vídeo que apresentaríamos na Ceia de Dia de Ação de Graças de quinta-feira. Um trabalho desgraçado e desgastante, mas que me trouxe alegria enquanto me sentava na nossa própria "sala de edição" cantando Spice Girls sem motivo nenhum. E aquela tarde passou voando e até perdi a conta de quantas vezes Marta adentrou o quarto, desesperada por algo acontecendo na cozinha - roubou a carne dos noruegueses! A Ceia foi divina. A comida muito boa - os americanos sempre conseguem produzir uma quantidade inimaginável de comida -, o Spanish Room organizado de uma forma muito agradável, com velas, guardanapos e fotos das nossas hometowns no projetor. A Ceia foi longa, com diferentes pratos de comida (chilli con carne!) e diferentes apresentações. Fomos deixados para o final (como gran final ou como o menos importante?). Quando chegou a nossa vez, metade do Spanish Room já estava vazio. Uma pena que todos tenham ido embora; muito rude da parte de todos que foram embora (Mas nós estamos aqui!). Foi rápido. Passou assim como uma mosca na minha frente e quando me dei conta já estava cantando os últimos versos da canção que estava projetava na parede (estava eu lendo?). LatinoaméricaAlma pelada, como disse Eli. E foi só assim mesmo que acabamos com duas ondas de ovações e eu não podia estar mais feliz de ter feito aquilo do lado daqueles quatro - uma família. Recebi tantos abraços maravilhosos e emotivos, cheios de amor. Um agradecimento - por que? O lugar certo pra se estar.
Ontem, me bateu tão violentamente quanto o vento do lado de fora. De repente me toquei que um termo inteiro havia se ido, havia escorrido das minhas mãos por entre meus dedos como areia. A nostalgia me pegou quando estava atrás da mesa de dj, na última Festa Latina que organizo. E como gosto daquilo! E como gostei de abraçar André, um segundo ano que está de visita. O semestre se foi e pouco resto antes de estar em São Paulo outra vez. Embora pareça muito longe: treze dias. Me enchi de perguntas. Será que fiz tudo que gostaria? Me dei tempo pra conhecer essas novas pessoinhas que são os primeiros anos? Será que consegui dar tempo pra mim mesma e também para os outros? Não há respostas; só abraços.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

el miedo de volver

Ando procurada. Me procuram a vizinha, o amigo do primeiro andar, a amiga da outra residência, os membros da minha comissão, o prefeito, o delegado, o padeiro português. Ando desparecida. Me llaman el desaparecido que cuando llega ya se ha ido. Volando vengo, volando voy, deprisa deprisa a rumbo perdido.
Me encontrei fora de atividade literária por dias e dias. Não sei ao certo se foram só dias ou semanas ou meses, só sei que me pareceu muito estranho não ter escrito sobre tanto que tem acontecido e que aconteceu. O mundo que os Maias previram. "What is missing for the world to collapse?", diz uma sábia mulher enquanto dá voltas pelo quarto, comendo maçã com uma faca na outra mão. Não sei o que responder, até porque não sei até que ponto concordo. Mas de fato, parece que temos que carregar tudo nos ombros e andar em frente, com a cabeça erguida. Não há tempo. Una mezcla de tensão e idiotice. Uma pena. Três semanas sem grandes amigos; um semestre sem um outro, que se vai depois de tanta estupidez.
Foi difícil me convencer de que eu tinha que ignorar todo aquele peso e continuar com os planos de ir para Sarajevo com Chiara, Paula e Marta. Não me arrependo um só segundo. No Sábado, estávamos eu, Chiara e Ema (BiH) no Mepas Mall (o maior shopping the Mostar), em frente ao supermercado, pedindo doações de comida e itens de higiene para o Refugee Camp Tasovicici. Arrisquei frases em local e me surpreendi comigo mesma approaching desconhecidos - algo que eu normalmente seria incapaz de fazer. Horas depois, tomávamos o ônibus pra Sarajevo.
A viagem de ônibus pra Sarajevo é como um sonho. Sempre me surpreendo com as diferentes cores do Neretva dependendo do sol, da temperatura e da estação. Foi quando estávamos chegando em Sarajevo que as cores da cidade me fizeram prender a respiração. As cores das folhas de outono, das montanhas, dos prédios coloridos em cores pasteis e o asfalto molhada por conta da chuva. Aquela cidade respira e vive. Andar pelas ruas de Sarajevo me faz sentir uma energia completamente indescritível. Uma capital tão pequena e tão bela. Inacreditável. E cada vez que me encontro lá, me apaixono mais e mais pelas pontes, pelo rio, pela Maršala Tita. Tão próxima e tão diferente de Mostar. A "Jerusalém Europeia".
Penso em um peixe dourado, em cereja, uma maçã de contos de fada, aqueles cinco minutos de silêncio absoluto no alto de Sarajevo. Penso em vilarejo de esqui, em portas cerradas, em contos e verdades. Em neve. Um final de semana maravilhoso que passei junto a três primeiros anos que deixaram de ser simplesmente primeiros anos e se tornaram amigas. Não só com elas, mas também com o grupo de seis outros primeiros anos que acabaram se juntando a nós em Ljubičica: Lucas, Simon, Noam, Anette, Mandula e Bono. Queridos. Olvidé mis responsabilidades por algunos segundos. Fomos à exposição sobre o massacre de Srebrenica e me encontrei naquele silêncio, ao lado de Mandula, sem saber o que pensar e o que sentir, mas sabendo claramente o quão apelativo aquele ambiente era. Me sentei em Golden Fish com Pauline e conversei por tempos e tempos. Paguei sem café e foi só assim.
Pisei em Susac, buscando uma senhorita turca. Me encontrei em diversos quartos. Co-anos. Segundos anos. São os mesmos. Sufocantes e amados. Só queria retornar a Sarajevo e não ter que digerir todas minhas responsabilidades e meu futuro. Tempos de balanços azuis-celeste.





Chiara

Chiara e Marta

Paula - no topo de Sarajevo

Marta em Golden Fish

No estoy sentado
en el lugar donde deberia estar,
mas tranquilo amigo!
Ya voy a llegar...

sábado, 9 de novembro de 2013

dores de travesseiro

Acordei com muita dor. Mal consegui me levantar e nem abaixar pra limpar o resto de incenso no chão do meu quarto. Nem acreditei que essa semana tinha passado. Lembro de ter pensado no começo da semana que aqueles dias me destruiriam: não o foi. Embora, de foto, tenha estudado mais do que o normal - e menos do que eu havia planejado -, não me parece que a destruição que eu havia previsto aconteceu.
Finalmente terminei de ler o livro de Aleksandar Hemon (o escritor nascido em Sarajevo que foi para a Flip, em Paraty, esse ano) que me foi enviado como um presente de meus tios queridos. O final do livro me deixou meio impactada, enquanto comia meu café da manhã na cozinha de Musala. Senti a dor nas minhas costas outra vez. Não me dei tempo pra digerir as histórias da vida de Hemon, porque precisava estudar sobre a China: precisava terminar (ou continuar) minha Investigação Histórica sobre a influência do período de resistência ao Japão no crescimento do Partido Comunista Chinês.
Chloe foi embora por 6 semanas. Minha querida vizinha e amiga se foi e só quando dei o meu último abraço nela me dei conta de que 6 semanas é praticamente o que passamos durante o Summer Break. E sinto muito que ela vá perder tudo o que vai acontecer nessas próximas incríveis semanas - que foram as melhores do meu primeiro ano. Mas sei que ela precisa ir pra casa, precisa de um tempo pra melhorar, pra ser feliz e pra voltar sendo a Chloe que eu admiro e adoro.
As preparações pra Semana Cultural da América Latina, América do Norte e Países Nórdicos estão com toda a potência. Tivemos nossa primeira reunião e as ideias me parecem incríveis. E fui dormir naquela noite com mil ideias na cabeça e acordei sabendo o que queria do vídeo de promoção da Semana Cultural. Então nesse momento, finalmente me forço a arranjar um tempo pra me dedicar ao que gosto.
Recebi uma correspondência de Ringling essa semana, que me fez conversar com Lucas por um bom tempo. Temos ideias diferentes para o nosso futuro, mas ao mesmo tempo sei que nos entendemos de uma forma que ninguém mais me entenderia aqui sobre o vestibular, sobre a relutância em ir para os Estados Unidos (embora Lucas não compartilhe da mesma opinião que eu sobre esse último aspecto)... Ringling não me parece uma opção, mas essa maldita capacidade de fazer propaganda e comprar as pessoas com aquele catálogo incrível que te dá água na boca... Maldito dinheiro estadunidense.
Mas pra terminar a minha semana, tive uma hora de Yoga, com a maravilhosa Chiara, e uma hora e meia de futebol, na quadra atrás do prédio da escola. Esportes me deixam feliz (acredite se quiser, família). Mesmo que meu time tenha perdido de 6x2...
E agora estou na ansiedade do long weekend (daqui a duas semanas): Sarajevo com queridas primeiro anos: Marta (Espanha), Paula (Áustria) e Chiara (Áustria). Paixão por Sarajevo.

PS: Exatamente há 20 anos, no dia 9 de novembro de 1993, a Old Bridge de Mostar (Stari Most, que inspirou o nome da cidade) foi destruída no contexto da guerra. Tão recente...

domingo, 3 de novembro de 2013

sail with me into the dark

Coloco uma música no replay. Sento no same old place em que Quinten sempre se encontrava ano passado e que adotei esse ano. A música começa com poucas batidas e explosões começam. A música representa aquelas horas em que fico sentada ali, recebendo um turbilhão de informações em tempo real. Prisão, polícia, protestos. Final de colegial, formatura, vestibular.
Día de los Muertos.
Estou cansada. Exausta. Acordei cedo essa manhã e fui correr. Me aventurei por ruas de Mostar, por lugares que nunca tinha descoberto. Encontrei cemitério atrás de cemitério. Não podia me jogar na cama, porque meu lençóis estavam na máquina de secar e me restou finalmente dar o presente de aniversário (atrasado) que Lera e eu preparamos pra Amina: uma coleção de coisas (in)úteis.
Uma semana cansativa, mas boa... Celebramos o aniversário de Noam entre latinos na praia (talvez minha última vez deitada nas pedras, na margem do Neretva). Recebi uma surpresa (quase) inesperada de uma primeiro ano querida, Tati, que está estudando no Adriático. Tive a oportunidade de me divertir com ela, mas também de ter papos sérios, de sentar pra comer uma pizza (não tão boa quanto a italiana) e de dançar Ai Se Eu te Pego na festa de Halloween: eu de pirata, Lucas e Tati de Família Adams.
Depois desse long weekend de muita informação sobre as Filipinas, finalmente acabei meu Internal Assessment de Peace and Conflicts, uma matéria misteriosa que gosto mais e mais a cada trabalho.
De novo me sento, ouvindo a mesma música over and over again, conversando com Maud. Penso naquele abraço de ontem. Me senti confortável nos braços da minha melhor amiga desaparecida, mas que nunca deixa de ser minha melhor amiga, nas escadarias da entrada de um prédio, com meu guarda-chuva na mão e aquela "breath in, breath out" que quase tinha esquecido.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

desencantar e ser tema de livro

Marta me surpreendeu entrando no quarto com cabelos curtos. Levei um susto e pulei pra abraçá-la, alegre em vê-la, alegre em vê-la de cabelos curtos. Acho que já virou um pouco tradição esse momento de visita no meu quarto pós check-in, quando ela se senta no outro extremo da cama, com a almofada branca e preta nas costas. Fiquei dando risada enquanto ela sussurrava todas as histórias de seu PW em Kosovo e depois sorria enquanto ela me revelava a história por trás dos cabelos. Um café, livros, escritos... Tão ela. E a falta do cabelo também.
Assim que ela deixou meu quarto, voltei a ler sobre o Iêmen, na esperança que a internet voltasse a funcionar. Pensei na minha PW do ano passado e no quanto tudo mudou depois daquela semana em Sarajevo. Outubro é o mês mais intenso do primeiro ano no UWC. O Bajram (feriado muçulmano) e a Project Week são momentos muito importantes pra sair de Mostar, pra sentir falta de Mostar e das pessoas que você associa àquele lugar, pra perceber que a melhor forma de se adaptar é sentir saudade. Lembro de ter essa sensação ano passado: depois que Outubro passou, Mostar era oficialmente meu lugar e aquelas pessoas eram oficialmente minha família. O momento perfeito de settling down. Então é isso... Se apaixona por Mostar aquele que se permite deixá-la e extraña-la. Mas já sinto certa falta do mar, das aventuras de hostels sem toalha, de deitar debaixo do sol nas horríveis praias de Split... Solamente... viajar.


"Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são. A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
Fernando Pessoa

"Eu percebi que todas as pessoas importantes na minha vida foram escritores... não cientistas!"
Marta Santiváñez

sábado, 26 de outubro de 2013

na beira do açude

Fomos pra baixo e pra cima: Sarajevo é muito maior do que pensávamos. Fomos parar em lugares misteriosos e lugares muito conhecidos pelos locais. Nos encontramos com Pauline - o que nos deixou muito felizes - e com diversos artistas e pessoas envolvidas no ramo. Foi incrível. Não podia ter estado num Project Week melhor, ter conhecido tanta gente, ter filmado, ter sido tão inspired por tudo aquilo ao meu redor. Meio ridículo... Mas adoro pensar que é meu primeiro documentário e me anima - e ao mesmo tempo me assusta - ter que redigir e editar todas as entrevistas, as dezenas de minutos gravados da face de cada pessoa..
Quanto à inspiração, Maud e eu criamos um plano pra um curta. Andávamos de volta para o apartamento, ao lado do rio, e dávamos risada de espíritos, de Susan Sontag. Ela fez um comentário sábio, sobre como era isso que ela procurava numa universidade: pessoas dispostas a colocar em prática a mais estúpida das ideias.
Quanto ao grupo, claro que acabamos um pouco cansados um dos outros. Estar num grupo de oito, andando de um lado pro outro, tentando planejar entrevistas de última hora e cozinhas refeições não é nada fácil. Talvez Maud e eu tenhamos sido mais mandonas do que o normal e estávamos bem conscientes disso enquanto tentávamos colocar o grupo back in track. Mas agora só trago lembranças positivas de estarmos diante da belíssima vista do jardim, comendo uvas e preparando enterros de caixas de cigarro achadas na areia. Quando voltávamos pra casa, depois de uma noite muito engraçada, segurando as mãos uns dos outros, cantando na rua, às margens do rio e dançando o vento.
Agora, Cróacia. Sinto como se Tamar e eu estivéssemos viajando por semanas, porque de Kotor praticamente fomos direto a Sarajevo e de Sarajevo pra Split. Sim, foi assim - sem mais nem menos - que eu decidi que tinha que conhecer a Cróacia - já que só conheço Dubrovnik e o parque principal de Zagreb - e me toquei que não tinha momento melhor que esse. Sexta-feira saímos de Sarajevo com o sol ardente e acabamos na Croácia no final do dia, encontrando Lucas e Chiara no nosso hostel (Booze&Snooze). Foi muito bom revê-los. Os dois estavam aqui para o Project Week e resolveram passar mais um dia do planejado pra ficar conosco. Fazia duas semanas que eu não via Chiara e ela me recebeu com um abraço caloroso que provavelmente foi resultado de uma carta de duas páginas. Saímos pra comer e pra beber cerveja. Eu queria ver, ouvir e tocar o mar e, por isso, acabamos numa praia, sentados nas pedras. Deitei numa superfície relativamente lisa e ouvi o som do mar, misturado à horrível música que vinha de um bar do outro lado da baía. Respirei o sal do mar e ouvi as mini ondas batendo contra as pedras. Me senti tão bem, tão em casa, tão sozinha e tão bem acompanhada.
O céu estava nublado e eu mantive meu olhar numa específica estrela - a única que se podia ver - e, quando me dei conta, o céu estava limpo e cheio de estrelas. Estrelas que desconheço. Continuo procurando o cruzeiro do sul, mesmo sabendo que não o encontrarei... E sei que em algum lugar ali está o centro do mundo e todas aquelas lembranças de um lugar tão parecido com aquele em que eu estava. Adormeci ao lado de Chiara e fomos acordada horas depois por uma brisa congelante.
Essa manhã, Chiara e Lucas foram embora. Tamar e eu fomos de volta pra praia onde havíamos estado e deitamos por um longo tempo, aproveitando o sol e o calor - um milagre de final de outubro. Entramos no mar e nos deliciamos com o gosto de sal em nossas bocas: ela pensando em Tel-Aviv; eu, em Ubatuba.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sarajevo: amarelo e vermelho

There is no other place in the world I'd like to be right now, é o que sigo pensando. Sem parar. Num estado de euforia em que meus dedos congelam e minhas unhas se tornam roxas. Endi e eu viemos pra Sarajevo juntas e nos deparamos na pigeon square esperando os outros cinco. Sentamos num café com Vesna (minha professora de inglês, que é de Mostar, mas morou a maior parte da vida em Londres) para fazer um breve resumo dos nossos planos e dos nossos contatos. Comemos pizza e nos dirigimos para o apartamento, próximo ao centro de Sarajevo, mas subindo a montanha.
Deparei-me com uma porteira muito adorável e eu tinha uma vaga ideia de que o lugar que estaria atrás dela seria encantador. Uma árvore na minha frente me oferece uvas, que caem no chão vermelho e amarelo do outono. A vista de Sarajevo é especialmente bonita, com o sol quase se pondo e o rio passando logo embaixo. Encontrei uma rede no amontoado de folhas, entre as árvores e a pendurei, onde agora me deito, tentando ler mais sobre o Iêmen - e quanto mais eu leio, mas confusa eu fico. Enquanto isso, Tamar se ocupa em ter um surto por ter recebido um email de Bela Tarr - sim, ele mesmo - e pela possibilidade de conhecê-lo e entrevistá-lo. Me delicio com a brisa passando ao lado da rede, da churrasqueira, do tapete de folhos debaixo de mim e uma francesa/italiana estudando alemão a alguns metros de distância. Logo postaremos, no blog oficial do nosso projeto, fotos do nosso primeiro dia em Sarajevo. Sarajevo: a cidade da arte ignorada.

" - E o que vocês vão fazer em Sarajevo?
- Vamos fazer um projeto com arte. Entrevistar artistas e pessoas envolvidas no cenário artístico...
Ele riu.
- Que foi?
- Prefiro não dizer nada. Não quero arruinar suas expectativas e ilusões. Mas boa sorte: você vai precisar"

domingo, 20 de outubro de 2013

o que Kusturica quis dizer com "Underground"?

Ano passado, sentávamos todas no chão do meu quarto quando o projeto Document Sarajevo nasceu. Éramos várias primeiros anos e a minha querida colega de quarto, Veronika (República Tcheca, era a única segundo ano. O projeto nasceu da nossa curiosidade sobre a arte nos Bálcãs, sobre a necessidade de ela existir e sobre a presença dela. Ouvíamos frases como "os Bálcãs tem problemas muito mais importantes pra se preocupar com arte" e aquilo só nos incentivava mais a fazer aquela ideia crescer e se tornar realidade. Eu pulei fora quando a ideia virou um documentário: eu tinha uma trauma de documentários, de vídeos, e não queria me estressar com aquilo. Pulei fora e depois invejei minhas amigas voltando daquela semana do Project Week com uma visão mágica de Sarajevo e diversos materiais em vídeo de entrevistas com pessoas envolvidas no cenário artístico de Sarajevo. Provavelmente foi essa sensação que eu guardei do ano passado que me incentivou a me envolver na continuação do projeto esse ano.
Amanhã, partimos pra Sarajevo. Entramos em contato com diversos artistas e organizações e amanhã começamos nossa maratona de entrevistas, de interrupções nas ruas de Sarajevo. Tenho a sensação de que esse projeto vai me fazer crescer de uma forma impressionante. Não só do ponto de vista fotográfico e cinemático (já que eu e Tamar somos responsáveis pela filmagem e, mais tarde, pela edição), mas também do ponto de vista de conhecer o cenário artístico impressionantemente misterioso num país tão conflituoso como a BiH.
O nosso grupo é composto por alguns dos co-anos mais próximos e por primeiros anos muito especiais que eu tenho a honra de poder conhecer melhor nessa semana. Somos 8: Tamar (Israel/Georgia), Maud (França/Itália), Mario (Espanha), Carme (Espanha), Zaahid (Reino Unido/Bangladesh), Endi (Albânia) e Chloe (Reino Unido). Estamos numa ansiedade descomunal.
O blog do projeto está sendo continuando por nós e há informação sobre o projeto ano passado: Document Sarajevo?.

E enquanto isso, o Iêmen ainda me aguarda em quase vinte abas de informação sobre a rebelião no norte do país. E o prazo pra esse trabalho era ontem...

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

dois cafés que fumam nossa música

Nos enterramos no conforto do nosso apartamento no topo de uma montanha em plena Škaljari. De vez em quando, saímos para a varanda e admiramos a vista de Kotor (ou Cátaro, como descobri que se fala em português). Nos trancafiamos na nossa zona de conforto da melhor forma possível... Com café, biscoitos, muita música boa (Balkan Beat Box, Yemen Blues, Perota Chingo, Ronnie Wood, Seu Jorge, Riff Cohen, Tomer Yosef) e nossa própria comida (com exceção de quando optamos por comida chinesa ou peixe). Um pedaço de vida tão tranquilo, em que embora estejamos sentando e fazendo nosso school work, a realidade da escola e das aulas parece tão distante. E quando começamos a sonhar sobre nosso futuro nas faculdades e nos interrogar sobre o desejo de ambas de estudar Film, de trabalhar na área das artes, nos pegamos cheia de dúvidas conflituosas internas que se tornam externas e compartilhadas - embora tenhamos backgrounds tão diferentes em relação às artes e à educação. Nos sentamos em bares para conversar e damos risada quando o garçom tira sarro da nossa pronunciação do nome da cerveja local. Enfrentamos o nosso silêncio mútuo enquanto escalamos a montanha de volta pro apartamento e nos assustamos com pequenos ruídos na rua, de gatos e percevejos e dou risadas extremamente alta quando Tamar leva susto por coisas tão pequenas. Sentamos para olhar uma específica universidade e nos damos conta de que estamos aplicando para as mesmíssimas universidades, mas tememos o serviço militar de Tamar, do qual ela está tentando ser dispensada. Sorrimos: talvez daqui um, dois anos estejamos estudando juntas outra vez em algum lugar desse pequeno mundo que nada mais é do que um apartamento de paredes brancas perto do mar de Montenegro, na costa dos Bálcãs.

Bar Havana, no qual passamos algum tempo na última noite


Vista da nossa varanda para a baía de Kotor


“There is not love of life without despair about life.”
“I opened myself to the gentle indifference of the world.”
Albert Camus, The Stranger (livro no qual me baseio para escrever meu Written Assignment)

domingo, 13 de outubro de 2013

alma não tem cor

Só nós sabemos o quão difícil foi chegar a Kotor. Mas chegamos, finalmente. E estávamos tão cansadas... Mas também famintas. Deixamos que a caminhada até Old Town fosse coberta de silêncio; estávamos absurdamente felizes. E era a segunda vez em que eu me sentia feliz em algum momento daquela semana - a primeira havia sido enquanto corria debaixo da chuva com meus primeiros anos latinos. Sentamos num restaurante e nos deliciamos com uma lula à doré, o que me trouxe lembranças extremas da minha infância, e uma salada. Saiu um tanto quanto caro, mas nosso cansaço nos fez ignorar. Capotamos assim que adentramos o nosso pequeno e aconchegante apartamento que estamos alugando por cinco noites por um preço absurdamente barato. Só fui acordar no dia seguinte, ao meio dia. Nos forçamos a sair e enfrentar a descida do apartamento até a Old Town (enfrentar a descida, na verdade, era encarar que na volta teríamos que enfrentar a subida) e nos deliciamos caminhando sem rumo pelas ruas da Old Town de Kotor. Me causou um alivio engraçado e inesperado ver a bandeira de Montenegro e não uma das três, quatro ou cinco bandeiras da Bósnia&Herzegovina (Sérvia, Bósnia&Herzegovina, Croácia e etc). Alívio, nada melhor do que essa palavra pra descrever o que eu senti. E embora a Old Town seja extremamente parecida com a de Dubrovnik, gostei mais. Me parece muito mais autêntica, sem aquele pátio enorme de Dubrovnik (Placa?) e sem aquela imagem de shopping com cara de era medieval e feudo. Me deixou contente até que a chuva começou e tivemos que caminhar pra casa com nossas compras de feira e supermercado debaixo da chuva, naquela ladeira infernal. Acabei caindo no sono quando meu computador resolveu não funcionar, contradizendo meus planos de estudar. Só por volta das 20h é que cozinhamos nosso almoço: arroz com alho, cebola, brócolis, champignon, couve-flor... Delícia vegana que eu e Tamar sempre cozinhamos quando temos tempo e dinheiro. Mais tarde, fomos à Old Town e nos sentamos num bar com música acústica muito boa. Conversamos sobre nossas infâncias, sobre nossa situação econômica, sobre a dependência para com nossos pais... E acabamos mais uma vez exaustas no apartamento. Agora, Tamar dorme e eu reflito sobre o que fizemos nos últimos dois dias, com a mesma deliciosa música na cabeça... Ella es colorida, ella es multicolor.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

em outro carnaval, na terra das amoras

"Cada dia ainda é uma aventura", li no blog de uma primeiro ano; e sorri. Sinto o pesar de que muitos primeiros anos estão infelizes, com saudade enormes de casa, tendo dificuldade para fazer amigos. Tamar e eu ficamos muito tempo ontem discutindo isso, tentando entender os motivos, tentando entender porque não vimos isso na nossa geração nos nossos primeiros meses. Não dá pra comparar gerações e personalidades: somos todos tão diferentes de todas nossas formas doidas e indescritíveis.
O fato de esse lugar ser uma aventura diária muita vezes é esquecido. Quando entramos na rotina, quando começamos a ser passivos sobre esse lugar, a extraordinariedade desse lugar e dessa gente. Ontem, me dei conta de como estou sendo tão passiva a tudo e me causou tanto desgosto que não podia fazer nada além de me deitar na cama e dormir, ignorando o despertador. Fui salva por meu primeiro ano, que me trouxe de volta dos meus sonhos, enquanto eu me espreguiçava e tentava falar como se não tivesse acabado de acordar.
Meu dia provou-se mágico quando fui 'surpreendida' pela chegada daquela mulher de cabelos fogosos que havia nos deixado quase um ano atrás. Ela parecia tão perdida e confusa ao estar de volta a Mostar que não quis incomodá-la com minha euforia. Senti uma energia estranha dela; percebi que estava confusa não só pelos dois dias de viagem, mas por aqueles amigos que ela disse terem sido 'amigos imaginários' durante todo esse tempo que ela esteve longe de Mostar. Causou-me um júbilo quase que doloroso ver Uri tão feliz com a presença de Iida e me fez ver além do muro de pedra que ele é.
Depois de três semanas num estado meio doente, finalmente fui ao Climbing Hall, sair do chão que me puxa para baixo com a gravidade invencível do planeta Terra. "Sinto que é mais um esforço mental do que físico", Chiara me disse. Chiara é minha aprendiz; ela ficou vidrada quando descobriu que eu fazia telas - como disse - e me pediu na hora que eu a ensina-se o que sei; óbvio que concordei. E nessas últimas semanas, ela tem aprendido tão rapidamente e com tal facilidade que me deixa orgulhosa de uma forma engraçada. No final do nosso treino, Chiara me disse "me faz tão feliz..." e eu sorri com todos os meus dentes, concordando de todas as formas possíveis, reconhecendo outra vez o quanto o tecido me faz bem e quão importante é ter essa hora na minha semana em que, não importa o quão ocupada eu esteja, eu pararei pra me acalmar, pra deixar meus problemas todos no chão, debaixo dos meus pés e de todo meu leve corpo. Saí do Climbing Hall sozinha, assustada com a neblina e a umidade do ar, que me assustava a cada passo, com aquele silêncio, o frio e ainda aquele barulho do resto da água da chuva escorrendo das árvores e das ruínas. A escuridão me calava e me fazia implorar aos meus pés que se calassem também. Me sentia tão leve enquanto caminhava naquele lugar que gosto de chamar de caminho da roça ou caminho das amoras e me levei até Abrasevic, onde destruí toda minha felicidade com uma frustração imensa por conta de derivadas e limites, coisas que não pretendo usar na minha vida. Dor de cabeça. Corri pro quarto de Tamar pra um abraço e uma caminhada curta até a wall de Musala. Nos juntamos a um grupo de pessoas no quarto de Uri, num aconchego causado pela presença de Iida e foi quase como um flashback; um ano atrás.
Pego-me ansiosa para fugir do outono de Mostar, ir para Montenegro com Tamar e relaxar por alguns dias. Talvez seja mais fácil ver aventuras em coisas mais radicais. Precisamos de um mapa...

"Vejo os alunos andando por aí... Sempre reparo nos caminhares. Você anda de uma forma meio incerta, mas aí olho pro seu rosto e vejo uma expressão calma e serena que pode ser traduzida em... satisfação." Greg, prof de Psicologia, meu tutor.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

tempo morto de pasto

Foi no domingo, enquanto sentávamos em Abrasevic, quando começamos a nos sentir doente. No dia seguinte, Tamar e eu não fomos a escola. Entramos na nossa rotina da semana de acordar uma a outra, cozinhar nosso próprio almoço (arroz, macarrão ou cuscus), sentar no muro de Musala e andar o dia todo de pijama, sem fazer nada concreto, tossindo pela residência. Passei a semana recebendo visitas muito queridas, principalmente do meu primeiro anito e as tardes no meu quarto pareciam muito melhor o chocolate que ganhei. À noite, meu canto do quarto se lotava de visitas variadas. A semana foi ficando melhor. Na terça-feira, Tamar, Uri, Mario, Maud e eu gravamos o vídeo para o aniversário de Carme, "Shit Carme says (and does)". Nos divertimos muito como nosso brainstorming sobre as coisas engraçadas de Carme e nos divertimos ainda mais gravando as cenas. Na quarta-feira, tentei ir à escola em vão e voltei pra cama depois de uma hora de Biologia, embora tivéssemos eleições de Student Council e Student Representative e eu tivesse que dar um discurso pra minha candidatura. Fui eleita parte do Student Council. Somos sete esse ano: Maud, Chloe, Teo, eu (segundos anos) e Bono, Marta e Malak (primeiros anos). Engraçado, porque todas as pessoas nas quais eu votei foram eleitas. Espero que os nossos novos Representatives façam um trabalho tão bom quanto Lukas e Jacob fizeram ano passado.
Embora tenhamos passado a tarde toda na cama, Tamar e eu quebramos a regra de não sair de Musala quando estamos na sick-list... organizamos a celebração (surpresa) do aniversário de Carme, no Old Bank. Com direito à muito amor, cerveja, vinho e música de qualidade, sentamos no Secret Floor e demos muita risada com nossos discursos pra Carme e nos deliciamos com o bolo feito pelos little dutchies, Bono, Mandula e Ruby (os primeiros anos holandeses). Foi uma noite maravilhosa que trouxe uma felicidade tão grande, especialmente quando os primeiros anos que se juntaram à nós (Marta, Bono, Mandula e Ruby) me revelaram que esperam criar amizades tão fortes quanto aquelas que eles tinham visto naquela noite e naqueles discursos - declarações de amizade - que demos para Carme. Na quinta, tentei ir pra aula  Sexta-feira, foi um dia inútil de escola (College fair) que me levou à Old Town com um amigo desesperado. Uma semana quase que inútil, mas que me deixou mais relaxada, que me trouxe pra baixo e pra cima e que trouxe o friozinho pra Mostar, ameaçando o começo do inverno, e levando consigo a nossa praia na beira do rio.

domingo, 29 de setembro de 2013

menos rei e um pouco mais real

Há uma magia muito sutil na caminhada para aquele lugar. Talvez essa tenha sido a primeira vez que eu parei pra reparar nas casas no caminho. Casas tão falsas, tão deslocadas; que não pertencem ao cenário de Mostar. Lembrou-me do vilarejo de Sarah ao lado de Wissembourg. As igrejas no caminho são modernas demais para aquele tempo-espaço. Não há autenticidade nenhuma nessas construções. Mas a caminhada ao lado de uma grande amiga me fez perceber a magia de sair do mundo real pra um lugar tão mágico, ao lado de um grande jardim e de um rio. O portão de madeira estava estendido ali na nossa frente quando tentamos bater e tocar a campainha; não obtivemos resposta e abrimos o portão mesmo assim, sentindo toda a energia daquele lugar nos invadindo. Tão palpável e perceptível. E as horas que se seguiram não me pareciam nada reais, nada verdadeiras; eram boas demais. As preocupações pareciam não existir, mesmo quando falávamos delas com nossas bocas cheias de pão com geleia e aquelas chás exóticos de sempre. Quando saímos de lá, depois de três horas, eu me sentia outra pessoa em relação à pessoa que tinha entrado ali. E, quando caminhávamos para sair daquela ruela, as pessoas com as quais cruzávamos pareciam personagens, com suas expressões faciais e suas poses quase como estátuas. Até parecia que o cenário estava sendo construído quando passamos por um hotel em reforma e aí nos encontramos com a rua movimentada e a vida real estava de volta num baque tão grande. Nem me lembro do caminho para Abrasevic, porque eu acho que a minha mente ainda estava presa àquela casa. Sentei pra escrever uma redação de história e de repente minha motivação pra estudar estava de volta e entrei num pique de pesquisa e estrutura que me deram tempo de, mais tarde, sair com Tamar para uma noite de sexta-feira em Mostar.

sábado, 28 de setembro de 2013

que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Enquanto o Brasil continuar tão enraizado às suas origens coloniais, à influência da religião cristã, nada mudará. Questões como o aborto me deixam completamente irritada. Já está mais do que na hora do Brasil e outros países latino americanos seguirem o exemplo do Uruguai; Já está mais do que na hora do Brasil abrir mão dessa vertente conservadorista e seguir em frente para uma mudança social, para uma preocupação para com o bem-estar e a sobrevivência de sua população. Mesmo o Brasil sendo uma maldita ilha na América Latina, o Brasil continua tão ligado à religião quanto os outros países: falso estado laico e secular.

Feliz Dia Latino-americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

o primeiro e o terceiro mundo sob ataque

Quando Aurelia veio me perguntar o que eu achava de ter uma Global Awareness sobre terrorismo e o 11 de setembro, eu dei risada. Uma risada sádica que veio do fundo da garganta. E como o Global Awareness acabou não sendo no dia 11 de setembro, o assunto meio morreu e eu deixei quieto, ser dar minha opinião. Algumas semanas mais tarde, fiquei sabendo que teríamos o tal Global Awareness e o tema seria "terrorismo". Levantei a sobrancelha e fiquei com uma pulga atrás da orelha. Nessa quarta-feira, depois da aula, todos nós sentamos no Spanish Room, que estava organizado de uma forma engraçada.
Eu não tinha a menor ideia do que ia acontecer naquela inocente sessão. Tudo começou com Anette, a primeiro ano norueguesa, falando sobre o Massacre de Utøya. Mais do que nunca, me fez perceber que as pessoas aqui têm passados que nós não fazemos nem ideia... Anette era ativa no Partido Trabalhista (Labour Party) da Noruega e estava nesse acampamento, numa ilha na Noruega, em 2011, quando o tiroteio aconteceu e 69 pessoas foram mortas. Foi muito emocionante quando Anette começou a chorar e ficou sem palavras por conta da emoção e, então, Anita (minha co-ano norueguesa) se levantou e se pôs a falar sobre todos os ataques em 2011, sobre a reação da Noruega e sobre o tal do massacre. Me deixou de queixo caído. Lembro de estar no México quando isso aconteceu e fiquei meio irritada com o exagero que as pessoas e a mídia internacional estavam fazendo. Claro que tinha sido trágico, que tinha sido um ato de terrorismo, mas me irritava que, só porque tinha acontecido em um país rico como a Noruega, a mídia estivesse dando tanta bola para aquilo. Mas, com a explicação de Anette e Anita, eu entendi melhor que aquilo havia sido absurdamente traumático para um povo tão acostumado com segurança, com bom estado de vida.
Mas o que deixou a sala em silêncio mesmo foi o depoimento de Ibrahim. Geralmente, Ibro (Iraque) não gosta de falar sobre assuntos sérios. Ele é muito divertido e brincalhão de uma forma tímida. Mas ele foi na frente de todo mundo, acompanhado de Yuval (Israel). Yuval entrevistou-o sobre toda a situação no Iraque, sobre a invasão dos EUA e sobre os ataques terroristas. Ele contou, com lágrimas no olhos, sobre como havia visto um amigo falecer em sua frente; sobre como quase foi atacado e teve que se jogar no chão no caminho para a padaria. Ele cresceu naquela sociedade em que as pessoas tiveram que se acostumar à situação do perigo constante. Eu vi os queixos caindo lentamente. As pessoas à ponto de chorar e o silêncio cobrindo a sala de uma maneira pesada, nada sútil. Eu sabia que Ibrahim já estava desconfortável, que já não queria mais falar. Mas as perguntas continuavam e as respostas se tornavam mais curtas, mais cansadas. Já havia conversado com Ibro sobre isso, enquanto ele me mostrava Bagdá no GoogleMaps; me mostrava onde ele havia 'ganhado' aquela cicatriz no braço por conta do estilhaço de uma bomba, onde o amigo havia morrido... Quando acabou, ficamos aplaudindo por um bom tempo e eu fui a primeira pessoa a ir abraçá-lo, dar um beijo muito grande nele e dizer o quão corajoso ele foi.
Dividimo-nos em grupos e acabei no grupo de discussão com apenas primeiros anos e com Yuval como facilitador da discussão. Fiquei impressionada - mas na verdade não esperaria nada diferente - com o choque dos europeus, com o quão insignificantes eles estavam se sentindo. Vários deles falavam sobre suas próprias experiências com terrorismo: o sérvio de Belgrado contava sobre o bombardeamento dos EUA, a belga contava sobre o ataque terrorista em Bruxelas alguns anos atrás... Mas todos admitiram que aquilo tudo era nada perto do relato de Ibrahim. Como era chocante ouvir o relato de uma vida como aquela...! E conversamos sobre a violência, sobre a validez de uma violência utilizada pra atingir paz e coisas do tipo. Mas eu sentia uma pesar na voz de todas as pessoas e, ao mesmo tempo, uma felicidade por poder ter esse tipo de experiência que só o UWC pode promover.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

bandeiras, etnias e identidade

De repente, hay mucha cosa. Minha discussão intensa com um grande amigo por causa de um jantar; a crise no quarto de Maud por conta da coitada da Zahra (Afeganistão), a primeiro ano que chegou atrasada por conta de visto e acabou meio sem lugar em Musala; as conversas noturnas no meu quarto sobre a guerra e a divisão aqui; o "caso" entre dois grandes amigos; a crise emocional de um grande amigo; a crise na escola por causa de uma bandeira que foi levada no desfile de bandeiras no UWC Day. Sem contar todas as coisas da escola. A falta de tempo pra escrever me força a passar aulas com a caneta na mão, escrevendo toda a turbulência de pensamentos num caderno que mal foi utilizado no ano passado.

Sento mais direta, falarei sobre as tais conversas noturnas. Desde algum dia Tamar (Georgia/Israel) começou a ir no meu quarto depois do check-in pra que conversássemos e comêssemos miojo - um hábito péssimo, mas que sacia nossa fome. Acontece que várias pessoas acabam se juntando à nossa conversa. Amina (minha roommate), Ajsa, Aida e Natasa (minha roommate) são melhores amigas de diferentes etnias que são completamente incríveis e abertas pra discussões. Elas acabam sentando na minha cama ou na minha cadeira e entrando na nossa conversa. Às vezes, Amber (Bélgica) ou Yaara (Israel) ou Chloe (Reino Unido) se juntam a nós. Mas o que importa é que talvez tenhamos tido conversas não tão profundas, mas pelo menos três vezes acabamos conversando de forma muito profunda e complexa sobre o conflito na Bósnia&Herzegovina. Todo dia me impressiono mais e mais. Embora tenha morado um ano aqui, nunca tinha tido conversas tão abertas e sinceras sobre o assunto como tenho com essas incríveis mulheres que moram no meu quarto (embora só duas delas morem lá oficialmente).
Ontem, acabamos conversando por mais de duas horas. Na noite anterior, também. Tudo porque, o UWC Day aconteceu no sábado, junto com o Dia Internacional da Paz. O UWC Day em Mostar incluiu um desfile de bandeiras e um festival de arte de rua (o último organizado por Uri e eu). Eu - e vários de meus amigos - não queria participar do desfile de bandeiras; acabei não participando simplesmente porque fiquei na Spanish Square arrumando todo o equipamento pro festival de arte de rua. Mas fiquei chocada que o desfile tenha causado tal conflito na escola.
Pra contextualizar um pouco, é bom lembrar (ou explicar) que os bósnios-croatas carregam bandeiras da Cróacia, os bósnios-sérvios carregam bandeiras da Sérvia ou da Republika Srpska e os bosniaks geralmente carregam a bandeira oficial da Bósnia&Herzegovina. É difícil entender, não? Bom, mas o conflito na escola começou porque Ajsa (a mesma mencionada a cima) trouxe a bandeira que supostamente é a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina. Durante o desfile, eu não sabia nada sobre essa bandeira; já tinha a visto, mas não sabia o que ela representava. O que aconteceu foi que alguns amigos (internacionais) vieram até mim e pediram pra que eu não postasse nenhuma foto em que essa tal bandeira aparecesse, porque, segundo eles, era a bandeira do exército bosniak durante a guerra. Eu concordei, meio sem entender - até porque eu não tinha tirado nenhuma foto em que qualquer bandeira aparecesse. No mesmo dia, à noite, no meu quarto, comecei a entender melhor o que tinha acontecido. Alguns alunos internacionais deram um Photoshop nas fotos com a tal da bandeira da "flor de lys", o que deixou alguns alunos locais enfurecidos. Ajsa começou a me explicar toda a história da bandeira, do brasão e da flor de lys, sobre como representa a dinastia Kotromanić, que era a monarquia do século XII (ou algo assim) e sobre como foi a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina assim que ela ganhou independência da Iugoslávia em 1992. Tudo começou a fazer sentido... E aínda por cima, Ajsa e Amina me explicaram que a atual bandeira da BiH não passa de uma coisa ridícula que representa o desejo do país de pertencer à União Europeia (o que explica as estrelas e o azul do fundo). Ok, mas o problema vinha do fato de que a bandeira do exército bosniak era extremamente parecida com essa tal bandeira e, com a guerra, os bósnios-croatas e os bósnios-sérvios começaram a enxergar essa antiga bandeira como símbolo da etnia bosniak, enquanto, na verdade, a bandeira não é nada mais do que a união das três etnias.
A nossa conversa me ensinou muito e me fez ver que o tal uso das bandeiras croata e sérvia pelos habitantes da BiH não é só inteligível para internacionais como também é para locais. Ajsa e Amina são ambas bosniaks e acham muito estúpido esse uso das bandeiras. Perguntei sobre a diferença cultural, que é muitas vezes usada como desculpa para, por exemplo, bósnios-croatas que dizem se identificar mais com a cultura da Cróacia do que com a cultura da Bósnia&Herzegovina. As duas deram risada e me disseram que é uma questão um tanto quanto econômica, considerando a Cróacia tem uma posição econômica muito melhor do que a Bósnia&Herzegovina. Elas me fizeram ver o quão vinculado à tradição e à religião esse conflito é. Deixou coisas muito mais claras pra mim e, ao mesmo tempo, algumas coisas bem mais confusas. É possível que um conflito no século XXI ainda seja tão ligado à religião? Uma professora de História me fez achar que nenhum conflito ou guerra recente acontece por motivos religiosos; mas aqui, a única coisa que separa as famílias, as pessoas, a língua, as tais nacionalidades é a tradição religiosa.
E agora me encontro nesse espaço engraçado em que eu sou uma internacional com visões locais. Algo que raramente - ou nunca - acontece. Exatamente pelo fato de que, pra nós que somos de fora, é extremamente difícil compreender toda essa história que esse país carrega de forma tão tensa. As coisas explodem em segundos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

living in a banana stejt

Mostar, 14 de setembro de 2013
1h15, sábado, Musala second floor - quarto #1

Foi um dia intenso desde o momento em que acordei: quando me dei conta que as duas horas que tinha planejado dormir (das 22h até à meia noite) não tinham funcionado e eu estava debaixo das cobertas com a mesma roupa do dia anterior e com a bebida energética deitada ao meu lado, em cima da minha mesa. Acordei sozinha, sem despertador nem nada, às 7h. Meu dia na escola foi extremamente curto: uma aula de biologia muito tediosa, dois blocos de matemática que foram cancelados pelo fato de que a professora bateu a cabeça na placa – literalmente -, um bloco inútil de história no qual fiquei pesquisando sobre o meu futuro, um almoço calmo e uma reunião breve e direta. Encontrei Amber e Markéta sentadas em Coco Loco. Quando Bo chegou, todas nós bebemos cerveja para comemorar "the whole two free days" que teríamos pela frente e nos deliciamos com nossas risadas espalhafatosa devido à diversão que tivemos naquele momento. Nos demos conta de como é fácil estar entre nós; do quão fácil é saber o que esperar uma da outra e aproveitar tanto essa amizade. 
A reunião sobre universidades na Europa e no Canadá foi um tanto quanto inútil, mas tive o privilégio de caminhar um pouco com Bengisu depois disso. Na volta pra Musala, me deparei com Reetta (Finlândia, minha segundo ano que voltou para seu terceiro ano) e fiquei genuinamente feliz em ver o vestido azul de bolinhas brancas e seu apetite por cozinhar. Sentei-me na cozinha e tentei trabalhar um pouco, sendo interrompida por diversas pessoas queridas. Saímos de Musala por volta das 17h10 para um jantar em Megi, para comemorar o aniversário da querida Christina (Austria). Tivemos um jantar divertidíssimo, super íntimo e gostoso. Ansiosas para o primeiro dia do Mostar Summer Fest (um festival de dois dias com bandas incríveis da BiH), eu e Mandula fomos juntas pra Old Man’s e acabamos sentadas com Ema (Sarajevo), que confiava em nós de tal forma que me trouxe uma felicidade, um carinho de segundo ano. Eu e Mandula resolvemos nos direcionar a Kantarevac e arrastamos Uri conosco. O espaço estava vazio por bastante tempo. Depois de uma meia hora, o espaço já estava mais ocupado – e ocupado por pessoas do UWC, finalmente. As primeiras bandas eram péssimas, mas a noite prometia. Zoster foi sensacional. Hladno Pivo também. Os primeiros anos são incríveis e me diverti demais com eles nessa noite, dançando, pulando, cantando... Demos muita risada. Quando retornei para casa, fui à varanda de Amber, esperando encontrar Bo, Markéta e Amber ali. Me deparo com as três dormindo juntos, num bolo de membros corporais debaixo de cobertas e só consigo sorrir com aquela cena na minha frente. Me debruço sobre o parapeito e admiro a vista, inclusive as luzes vindas de Kantarevac que dançam iluminando as montanhas que cercam o vale em que Mostar está. Amanhã promete... mais um dia, com SARS dessa vez e uma nova perspectiva.

(pela falta de tempo para escrever, deixei aqui, nos últimos dois posts, palavras escritas no caderno cor de vinho que carrego na mochila)

Utopija - Zoster 

domingo, 15 de setembro de 2013

as etnias do futebol

Mostar, 11 de setembro de 2013
11h40, quarta-feira, Spanish Room/TOK Class

Entre cafés e cigarros, a cultura da Herzegovina (a região do país em que Mostar se situa) é fascinante. Na maior parte do tempo, esquecemos que Mostar tem uma parte muito grande cultural; esquecemos que há coisas além da guerra e da Iugoslávia: Mostar viver o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano e sempre foi um ponto de encontro das diferente etnias balcânicas. Entre o café e os cigarros, não há muito cinema, nem muita arte plástica; há muita literatura, mas, infelizmente, não compreendo a língua para poder ser encantada e fascinada por Aleksa - o escritor que deixou o nome para o Club Aleksa, num beco na beira do Neretva. Interessante que as palavras "canção" e "poema" sejam a mesma nas línguas locais, numa composição artística-linguística tão bela. 
Curiosamente, uma grande parte da cultura da Bósnia-Herzegovina é, assim como no Brasil, ligada ao futebol. Mas, ao contrário do Brasil, aqui e mais nacional do que regional. A divisão entre as etnias se reflete muito claramente no futebol: os bósnios-croatas torcem pra Croácia, os bosniaks (ou muçulmanos) torcem para a Bósnia-Herzegovina e os bósnios-sérvios torcem para a Sérvia. Os jogos de futebol fazem de Mostar uma cidade assustadora e interessante. O Colégio sempre nos aconselha a não sair pela cidade em noites de jogos. Ano passado, quando a Bósnia&Herzegovina jogou contra a Grécia, a escola ficou bem apavorada com o fato de que tínhamos uma festa naquela noite e eu não entendi aquilo muito bem. Nas últimas duas semanas, ficou mais claro pra mim. Semana passada, a rua de Musala de repente ficou muito amarela e azul - as cores da bandeiras bósnia. Nunca tinha visto aquela bandeira enorme balançando ao vento em frente ao bar vizinho a Musala. Nunca tinha visto o bar tocar músicas num volume tão alto - e olha que eles tocam música muito alto debaixo da minha janela. Ter uma roommate bosiak e outra bósnia-sérvia - as duas sempre gozando do nacionalismo, sempre cantando músicas nacionalistas de brincadeira pra acordar uma a outra - me trouxe uma perspective engraçada enquanto elas traduziam pra mim a letra das canções horríveis que ouvimos do nosso quarto, xingando os sérvios e afirmando a superioridade bosniak. Naquela noite, a Bósnia-Herzegovina perdeu contra a Eslováquia e a cidade ficou calada. Ontem, quando voltava pra casa depois de passar 9h na escola, andando com Malak (Egito), reconheci aquele cenário de bandeiras azuis e amarelas. Mais tarde, quando voltava do Climbing Hall com Lucas (Brasil), Sjur (Noruega) e Chiara (Austria) ouvi os gritos de celebração pelo primeiro. Lucas tirou sarro que aquilo quase o fazia sentir-se em casa e eu falei que era quase como se o Corinthians tivesse feito um gol em SP (só que não). Encontrei Erika e Hannah (EUA) em frente a Musala, as duas conversando sobre aquela situação. Fiquei ali na Wall de Musala ouvindo suas reflexões de típicas estadunidenses, de quem nunca viveu uma coisa intensa como essa, de uma coisa tão grande por um esporte como é aqui. Quando a partida acabou, a rua de Musala foi à loucura. Dezenas de pessoas correndo, gritando, quebrando garrafas de vidro, soltando fogos de artifício. Chegava a ser assustadoramente intimidador. Chiara, Lucas, Malak e Hannah tinham que voltar pra Susac, então Erika e eu resolvemos acompanhá-los, como as experientes segundos anos que somos - mais tarde eu ri dessa nossa ação, pensando no que teríamos feito pra protegê-los. Chiara tinha que buscar sua bicicleta na Spanish Square e tínhamos que passar por Musala Square onde todos os bosniaks da cidade pareciam estar concentrados. Foi assustador e decidimos dar uma volta gigantesca pela ponte de Del Rio e virando na Boulevar com Chiara e Erika. Encontramos uma tropa de choque ali e pensei em todos os protestos de Junho enquanto flashbacks vinham à minha mente. Passamos de cabeça baixa. Quando retornamos, eu e Erika, pelo caminho tradicional da escola para Musala, nos deparamos com as grandes lixeiras de Mostar espalhadas pelo asfalto da rua, soltando fumaça de um fogo recém apagado. e com vidros quebrados por pedras. Fiquei com aflição das pausas que fazíamos para que Erika fotografasse, mas ela definitivamente conseguiu fotos interessantíssimas. Em Musala Square, havia uma multidão de torcedores. Era quase uma parada quando os carros passavam buzinando em ritmo de celebração. Havia um caminhão carregando vários homens sem camisa - mostrando sua masculinidade? - que gritavam de forma alucinada com bandeiras e faixas.
Chegamos em Musala on time para o check-in. Ena (Zenica - BiH) nos contou sobre o conflito que ela assistiu em Spanish Square, com quase 20 homens jogando pedras do lado croata da cidade, na Boulevar, procurando briga, gritando para que os policiais parassem de ser covardes e atravessassem para o "lado de cá". Foi muito simbólico pra que eu pudesse entender outra vez que o prédio do colégio e a Spanish Square são, de ato, o espaço de divisão. Os policias estavam parando todos que "tentavam cruzar para o lado croata". Mas quanto às questões futebolísticas, fiquei chocada. Vivi a vida inteira na cultura do futebol, na cultura dos "Clássicos" Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos e nunca vi algo assim. Claro que há violência. Que a torcida, a massa de gente, leva, várias vezes, a violentas brigas e extrema competitividade. Mas não poder usar as cores do time adversário na rua é demasiadamente chocante. O conflito étnico refletido nessa paixão pelo futebol.

(pela falta de tempo para escrever, deixo aqui palavras escritas no caderno cor de vinho que carrego na mochila)

domingo, 8 de setembro de 2013

abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer

Lucas me deu bom dia perguntando-me "sabe que dia é hoje?"; dei risada e falei que sim, que era o dia da Independência do Brasil e os nossos amigos começaram a falar "parabéns" e nós dois demos risada. Independência engraçada a brasileira, não? Tivemos um dia incrível, uma viagem pra Konjic - uma cidade a uma hora de Mostar, na estrada Sarajevo-Mostar - com outros 43 alunos e os professores mais incríveis do colégio pra uma manhã e tarde inteiras de rafting! Meu barco foi incrível! Tamar (Israel), Bo (Países Baixos), Markéta (Rep. Tcheca), Yaara (Israel), Ruaidhrí (EUA/ Canadá), Sarah (França/Alemanha), eu e Ljubica (muito querida professora de alemão) formamos o time (que apelidamos de "1,2" devido ao nosso canto para remar) que ganhou no final. Nos divertimos muito - muito mesmo -, especialmente nas nossas paradas para nadar no Neretva - absurdamente gelado -, para pular de pedras muito altas - lembrou-me das minhas viagens para a Chapada Diamantina, no Nordeste do Brasil. A melhor parada foi quando descemos do barco - ideia de Ljubica - e boiamos, sendo levados pela correnteza do rio. Eu e Tamar fizemos de mãos dadas e eu dava muita risada, quase me afogando, enquanto Tamar gritava de uma forma absurdamente engraçada e depois tive que resgatá-la porque ela não conseguia firmar o pé no chão para sair do rio. Nos sentamos numa praia de pedras, na beira do rio, com todos os outros times e comemos um peixe maravilhoso, recém pescado. No final do dia, estávamos todos acabamos, mas ainda tivemos tempo para nos deliciar com a comida homemade, na casa do nosso guia. Verdadeira comida bósnia: arroz, pimenta recheada, goulash, batatas, frango, sirnica (leia-se: cirnitsa) e até um cafézinho ao final da refeição. Voltei no ônibus ao lado do Lucas. Adormecemos com música brasileira nos nossos ouvidos. Na volta, fomos a Old Man's para tomar um shot de rakija pela nossa cômica independência. Fui dormir como um bebê, exausta pelo dia e com o estômago estragado - a comida parecia boa, mas acabou com nossos estômagos. Nessa manhã de domingo, encontrei Uri sentado em frente à Musala e resolvemos ir ao parque para olhar o céu absurdamente azul. O contraste entre o verde das árvores e o azul do céu trouxe uma calma tão grande pra mim enquanto deitava na grama com Tamar, escutando o didgeridoo de Uri. Tanta calmaria. Acabei no quarto de Maud (França/Itália), uma hora depois, comendo tomates com orégano e conversando sobre famílias, faculdades, arte, filme e sobre tudo que mais gostamos e planejando nossa comemoração do aniversário de Jochem (Países Baixos).
Um pouco de descrição nem sempre faz mal... O ar está agitado, Mostar está pelando e nós temos tanto mistério ao redor enquanto rimamos nossas vidas numa dança doida.

Uri


sábado, 7 de setembro de 2013

cabem três vidas inteiras

Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa
Cabe até o meu amor

Enquanto nos sentávamos na Wall de Musala, no nosso habitual espaço - especialmente meu, como uma moradora repetitiva de Musala -, esperando pelo nosso check-in, davamos risada sobre sermos 'melhores' que nossos segundos anos, sobre sermos criativos e fazermos coisas que eles nunca fariam; num tom de zombaria, mas também de verdade. Ogi (Macedonia) me abraçou: estranhei. Não estou tão acostumada a abraços em Mostar - os europeus são bem mais frios -, muito menos aqueles vindos de Ogi e Uri (Israel). Ogi me revelou que ele tinha abraçado muita gente naquele dia, que tinha sido um dia estranho. Dei risada; tinha tido a mesma conversa com Markéta, sobre como aquele dia tinha sido bizarro, sobre todos agindo de uma forma meio estranha sem motivo algum. Foi um dia de descobertas, na verdade. De uma montanha russa de emoções tão comum no dia-a-dia do UWC - mas à qual não estava mais acostumada. Tinha passado a tarde toda meio sozinha, na minha, enfeitando a minha parede branca: preenchendo-a com mapas da minha viagem pela Europa, com fotos de meus amigos do Brasil, do CISV, do UWC, com posters e todo o tipo de coisa (desde um leque espanhol até um poster antigo de Across the Universe); quando saí de Musala pra encontrar Markéta na ponte para irmos ao Climbing Hall, sentia uma irresistível vontade de fugir, de correr e me enfiar em algum lugar em que aquela angústia esquisita e inexplicável iria sumir. Mas fiquei ali na ponte, esperando pela chegada de Markéta, olhando para o Neretva e pensando. Quando ela chegou, conversamos no caminho ao Hall e foi só... um reflexo da nossa amizade. Talvez a única beleza de ser segundo ano seja ter tantas pessoas com as quais contar.
Algumas horas depois, quando me encontrei na "praia" (ou como Lucas e eu decidimos, 'riverside'), apoiada nas costas de Lucas, me lembrei. Voltou tudo à tona. E mais tarde, Mario (Espanha) me fez perceber que é algo que acontece quando estou com either one (ou com Lucas ou com Mario)... Essa coisa meio latina, a risada genuína e legítima, as piadas de alto (baixo) nível, o calor latino... Lucas e eu nos sentamos numa mesa de madeira, colocada sobre as pedras da praia, encarando Neretva e tivemos nosso momento sério e engraçado, sem nenhuma vergonha: é tão natural. Falamos sobre tudo - e mesmo assim, toda vez que conversamos, sinto que temos tantas outras milhares de coisas pra conversar -, sem nenhuma censura moral. Até nos misturamos no português e no inglês (embora tenha sido ele quem fez questão que falássemos em português), deixamos uma egípcia - quase uma adotada - sentar conosco - mesmo que ela não entendesse nada - e, ali, naquele pequeno espaço, coube nosso amor. Coube três vidas inteiras.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

mentira primaveril

Belgrado é a cidade das escadarias, dos bondes de graça (ou pelo menos que fingimos ser de graça enquanto nos esquivamos dos raros cobradores), das letras cirílicas (que Tamar consegue ler, ainda bem), do chuveiro pingante do nosso hostel, das camas terrivelmente rangentes. Também a cidade em que eu fui guia de um grande grupo, completamente perdido que me arrastava pra todos os lugares e me jurava que se estivessem sem mim não chegariam a lugar nenhum (conhecendo meus amigos, sei que é verdade). Belgrado não passou pela mesma guerra que Mostar passou - foi minha impressão. Avistei pouquíssimos prédios que aparentam ter passado por uma guerra, e, na verdade, a maioria deles foi vítima das bombas de 99, jogadas pelos EUA. Belgrado é claramente uma cidade que foi muito desenvolvida; uma capital de um país que costumava existir, que costumava ser comunista - isso é muito claro no formato dos prédios cinzas. Adorei me enfiar por ruelas, adentrar prédios misteriosos que acabavam sendo galerias de arte ou museus sobre história romana. Senti saudade da minha irmã - muita saudade. Amei meus amigos enquanto sentávamos pra tomar café e quando acordávamos de manhã, pressionando uns aos outros para se arrumar, para que pudessemos iniciar o dia. Foi uma continuação das minhas férias, da minha viagem pela Europa (só que dessa vez pelo 'Oriente' da Europa); não pareceu só uma pausa: pareceu que eu ainda não tinha retornado a Mostar. E, na verdade, se eu não tivesse visitado meu quarto por alguns minutos antes de correr pra escola, todos os abraços que eu recebi, que pareciam tão saudosos, teriam me feito duvidar minha presença em Mostar durante o Induction Period. Quatro dias foram muito aqui; foram muito pouco em Belgrado. O show do Roger Waters foi fantástico, mas não foi o ponto alto da viagem; muito diferente - e ao mesmo tempo incrivelmente igual - ao show que assisti em São Paulo em Abril de 2012.


- Sem ofensas, mas vocês, brasileiros e mexicanos, têm sempre essa mesma cara que você tem. As mesmas feições...







segunda-feira, 26 de agosto de 2013

de onde vem a calma

Parecia que ia chover, mas resolvi enfrentar aquela ausência dentro de mim, colocar algo nos pés e fugir daquela prisão que era minha cama, na qual eu tinha me colocado na tarde anterior. Comecei a correr na Ponte de Tito e continuei meio sem destino, admirando as ruas de Mostar num ritmo muito meu e muito único. Subi pela rua de Beck's e acabei virando na rua de Jump Jump. Quando me dei conta, estava passando por uma igreja à minha direita e logo depois acabei me deparando com a entrada de uma rua muito conhecida, com um hotel de um lado e uma mesquita do outro. Parei; sorri. Me pareceu engraçado que eu tivesse me deparado naquele lugar, com uma saudade grande no peito e um entender não-entender dessa solidão grupal que vivemos. Continuei minha corrida como se estivesse enfrentando todo o verão a partir do lugar em que ele tinha começado. Passei por uma rua desconhecida e entendi muita coisa naquela minha jornada engraçada, cedo pela manhã. Quando cheguei em Musala, me deparei com um grupo de primeiros anos e sorri, limpando o suor da minha testa, recebendo-os em sua casa, desejando um bom dia, cheia de esperança pra um dia muito melhor que o anterior.

sábado, 24 de agosto de 2013

'we're gonna make this place your home'

Não sei com quais palavras começar esse post. Só sei que me parece que meses se passaram desde que vi os primeiros anos entrando pela porta de Musala, com suas gigantescas malas e suas caras assustadas, com aflição de errar o inglês, de falar besteira... Tentei ao máximo - ou melhor, tentamos ao máximo - pra fazer com que eles se sentissem em casa, pra que entendessem as regras da convivência nas residências, pra que fizessem amigos. Quando sentei na estação de ônibus para aguardar a chegada de Lucas (meu querido primeiro ano), minha mente se perdeu em tantas ideias e sensações... Aquele ano doido que estava prestes a começar parecia perdido em algum lugar no topo das montanhas e eu não conseguia avistá-lo. Não conseguia dizer como seria morar na mesma residência, mas sem minhas queridas Bo, Markéta e Bengisu... Não conseguia dizer como seria ser uma segundo ano; ter que parecer tão responsável - e ser responsável em relação à escola -, ter que cuidar dos primeiros anos. Me parecia muito abstrato, surreal. Não senti uma dor de saudade dos meus segundos anos, embora me parecesse pouco provável que eles não apareceriam na frente de Musala antes do check-in pra bater papo e dar risadas escandalosas. O ônibus de Lucas estava atrasado e eu não conseguia parar de olhar o relógio no meu pulso. Toda vez que um ônibus estacionava na estação, eu corria até ele esperando que meu primeiro ano pisasse no chão de Mostar, tendo que abaixar a cabeça pra passar pela porta do ônibus. Foi só uma hora depois do previsto que isso realmente aconteceu e ele me parecia completamente destruído depois de 24h de viagem de Frankfurt até Mostar.
Agora eu não tenho palavras pra descrever o quão extraordinário tudo tem sido. Os primeiros anos são absolutamente maravilhosos e incríveis. A cada segundo, eu me impressiono mais e mais com o potencial deles, com tantos talentos, com tanto humor. É lindo! É maravilhoso poder ser uma segundo ano, passar de quarto em quarto depois do check-in pra ter certeza de que estão todos bem, de que ninguém está homesick.
Nossa Opening Ceremony foi absolutamente incrível. Passamos o dia todo organizando, planejando os esquetes, ensaiando as canções, pendurando as bandeiras em Abrasevic. O resultado foi maravilhoso. Valentina, nossa diretora, disse que foi a melhor Opening Ceremony que esse colégio já viu. Devo dizer que isso se deve aos talentos de Uri (Israel), Ogi (Macedonia), Markéta (República Tcheca), Elissavet (Grécia) e Christina (Austria) - entre outros - que arrasaram com seus talentos musicais. De certa forma, acho que a Opening Ceremony serviu mais para unir nossa geração do que pra receber nossos primeiros anos: senti que amamos demais aquilo; mais do que os primeiros anos. Percebi o quão particular nossa geração é depois que Teo (BiH) veio se desculpar por ter gritado comigo durante os ensaios; percebi que somos co-anos capazes de pedir desculpas sinceras, capazes de perceber nossos erros - algo que nossos segundos anos não eram capazes de fazer.
Estou amando cada segundo dessa semana. Nossa viagem para Blagaj ontem foi deliciosa! Minhas caminhadas para Susac com Yaara (Israel) têm sido deliciosas. Meus primeiros anos adotivos, Simon (Bélgica, nascido na Bolívia), Noam (Israel, cujos pais são chilenos) e Neva (Croácia, adotada por motivos especiais), são uns amores; gosto mais e mais de todos esses queridos primeiros anos a cada dia e tenho que agradecer por ter o melhores co-anos do universo.

Kamate  na Opening Ceremony (foto por Sindre Langmoen)

Love Generation pronta pro primeiro Kamate do ano (foto por Sjur Hamre)

 
Tocando We're Gonna be Friends com Markéta
e Bo na OC (foto por Sindre Langmoen)

Lukas (Alemanha) durante nossos Water Games (foto por moi)

Mevludin (BiH) (foto por moi)

Lucas (Brasiiil!) durante os Water Games (foto por moi)