domingo, 29 de setembro de 2013

menos rei e um pouco mais real

Há uma magia muito sutil na caminhada para aquele lugar. Talvez essa tenha sido a primeira vez que eu parei pra reparar nas casas no caminho. Casas tão falsas, tão deslocadas; que não pertencem ao cenário de Mostar. Lembrou-me do vilarejo de Sarah ao lado de Wissembourg. As igrejas no caminho são modernas demais para aquele tempo-espaço. Não há autenticidade nenhuma nessas construções. Mas a caminhada ao lado de uma grande amiga me fez perceber a magia de sair do mundo real pra um lugar tão mágico, ao lado de um grande jardim e de um rio. O portão de madeira estava estendido ali na nossa frente quando tentamos bater e tocar a campainha; não obtivemos resposta e abrimos o portão mesmo assim, sentindo toda a energia daquele lugar nos invadindo. Tão palpável e perceptível. E as horas que se seguiram não me pareciam nada reais, nada verdadeiras; eram boas demais. As preocupações pareciam não existir, mesmo quando falávamos delas com nossas bocas cheias de pão com geleia e aquelas chás exóticos de sempre. Quando saímos de lá, depois de três horas, eu me sentia outra pessoa em relação à pessoa que tinha entrado ali. E, quando caminhávamos para sair daquela ruela, as pessoas com as quais cruzávamos pareciam personagens, com suas expressões faciais e suas poses quase como estátuas. Até parecia que o cenário estava sendo construído quando passamos por um hotel em reforma e aí nos encontramos com a rua movimentada e a vida real estava de volta num baque tão grande. Nem me lembro do caminho para Abrasevic, porque eu acho que a minha mente ainda estava presa àquela casa. Sentei pra escrever uma redação de história e de repente minha motivação pra estudar estava de volta e entrei num pique de pesquisa e estrutura que me deram tempo de, mais tarde, sair com Tamar para uma noite de sexta-feira em Mostar.

sábado, 28 de setembro de 2013

que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Enquanto o Brasil continuar tão enraizado às suas origens coloniais, à influência da religião cristã, nada mudará. Questões como o aborto me deixam completamente irritada. Já está mais do que na hora do Brasil e outros países latino americanos seguirem o exemplo do Uruguai; Já está mais do que na hora do Brasil abrir mão dessa vertente conservadorista e seguir em frente para uma mudança social, para uma preocupação para com o bem-estar e a sobrevivência de sua população. Mesmo o Brasil sendo uma maldita ilha na América Latina, o Brasil continua tão ligado à religião quanto os outros países: falso estado laico e secular.

Feliz Dia Latino-americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

o primeiro e o terceiro mundo sob ataque

Quando Aurelia veio me perguntar o que eu achava de ter uma Global Awareness sobre terrorismo e o 11 de setembro, eu dei risada. Uma risada sádica que veio do fundo da garganta. E como o Global Awareness acabou não sendo no dia 11 de setembro, o assunto meio morreu e eu deixei quieto, ser dar minha opinião. Algumas semanas mais tarde, fiquei sabendo que teríamos o tal Global Awareness e o tema seria "terrorismo". Levantei a sobrancelha e fiquei com uma pulga atrás da orelha. Nessa quarta-feira, depois da aula, todos nós sentamos no Spanish Room, que estava organizado de uma forma engraçada.
Eu não tinha a menor ideia do que ia acontecer naquela inocente sessão. Tudo começou com Anette, a primeiro ano norueguesa, falando sobre o Massacre de Utøya. Mais do que nunca, me fez perceber que as pessoas aqui têm passados que nós não fazemos nem ideia... Anette era ativa no Partido Trabalhista (Labour Party) da Noruega e estava nesse acampamento, numa ilha na Noruega, em 2011, quando o tiroteio aconteceu e 69 pessoas foram mortas. Foi muito emocionante quando Anette começou a chorar e ficou sem palavras por conta da emoção e, então, Anita (minha co-ano norueguesa) se levantou e se pôs a falar sobre todos os ataques em 2011, sobre a reação da Noruega e sobre o tal do massacre. Me deixou de queixo caído. Lembro de estar no México quando isso aconteceu e fiquei meio irritada com o exagero que as pessoas e a mídia internacional estavam fazendo. Claro que tinha sido trágico, que tinha sido um ato de terrorismo, mas me irritava que, só porque tinha acontecido em um país rico como a Noruega, a mídia estivesse dando tanta bola para aquilo. Mas, com a explicação de Anette e Anita, eu entendi melhor que aquilo havia sido absurdamente traumático para um povo tão acostumado com segurança, com bom estado de vida.
Mas o que deixou a sala em silêncio mesmo foi o depoimento de Ibrahim. Geralmente, Ibro (Iraque) não gosta de falar sobre assuntos sérios. Ele é muito divertido e brincalhão de uma forma tímida. Mas ele foi na frente de todo mundo, acompanhado de Yuval (Israel). Yuval entrevistou-o sobre toda a situação no Iraque, sobre a invasão dos EUA e sobre os ataques terroristas. Ele contou, com lágrimas no olhos, sobre como havia visto um amigo falecer em sua frente; sobre como quase foi atacado e teve que se jogar no chão no caminho para a padaria. Ele cresceu naquela sociedade em que as pessoas tiveram que se acostumar à situação do perigo constante. Eu vi os queixos caindo lentamente. As pessoas à ponto de chorar e o silêncio cobrindo a sala de uma maneira pesada, nada sútil. Eu sabia que Ibrahim já estava desconfortável, que já não queria mais falar. Mas as perguntas continuavam e as respostas se tornavam mais curtas, mais cansadas. Já havia conversado com Ibro sobre isso, enquanto ele me mostrava Bagdá no GoogleMaps; me mostrava onde ele havia 'ganhado' aquela cicatriz no braço por conta do estilhaço de uma bomba, onde o amigo havia morrido... Quando acabou, ficamos aplaudindo por um bom tempo e eu fui a primeira pessoa a ir abraçá-lo, dar um beijo muito grande nele e dizer o quão corajoso ele foi.
Dividimo-nos em grupos e acabei no grupo de discussão com apenas primeiros anos e com Yuval como facilitador da discussão. Fiquei impressionada - mas na verdade não esperaria nada diferente - com o choque dos europeus, com o quão insignificantes eles estavam se sentindo. Vários deles falavam sobre suas próprias experiências com terrorismo: o sérvio de Belgrado contava sobre o bombardeamento dos EUA, a belga contava sobre o ataque terrorista em Bruxelas alguns anos atrás... Mas todos admitiram que aquilo tudo era nada perto do relato de Ibrahim. Como era chocante ouvir o relato de uma vida como aquela...! E conversamos sobre a violência, sobre a validez de uma violência utilizada pra atingir paz e coisas do tipo. Mas eu sentia uma pesar na voz de todas as pessoas e, ao mesmo tempo, uma felicidade por poder ter esse tipo de experiência que só o UWC pode promover.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

bandeiras, etnias e identidade

De repente, hay mucha cosa. Minha discussão intensa com um grande amigo por causa de um jantar; a crise no quarto de Maud por conta da coitada da Zahra (Afeganistão), a primeiro ano que chegou atrasada por conta de visto e acabou meio sem lugar em Musala; as conversas noturnas no meu quarto sobre a guerra e a divisão aqui; o "caso" entre dois grandes amigos; a crise emocional de um grande amigo; a crise na escola por causa de uma bandeira que foi levada no desfile de bandeiras no UWC Day. Sem contar todas as coisas da escola. A falta de tempo pra escrever me força a passar aulas com a caneta na mão, escrevendo toda a turbulência de pensamentos num caderno que mal foi utilizado no ano passado.

Sento mais direta, falarei sobre as tais conversas noturnas. Desde algum dia Tamar (Georgia/Israel) começou a ir no meu quarto depois do check-in pra que conversássemos e comêssemos miojo - um hábito péssimo, mas que sacia nossa fome. Acontece que várias pessoas acabam se juntando à nossa conversa. Amina (minha roommate), Ajsa, Aida e Natasa (minha roommate) são melhores amigas de diferentes etnias que são completamente incríveis e abertas pra discussões. Elas acabam sentando na minha cama ou na minha cadeira e entrando na nossa conversa. Às vezes, Amber (Bélgica) ou Yaara (Israel) ou Chloe (Reino Unido) se juntam a nós. Mas o que importa é que talvez tenhamos tido conversas não tão profundas, mas pelo menos três vezes acabamos conversando de forma muito profunda e complexa sobre o conflito na Bósnia&Herzegovina. Todo dia me impressiono mais e mais. Embora tenha morado um ano aqui, nunca tinha tido conversas tão abertas e sinceras sobre o assunto como tenho com essas incríveis mulheres que moram no meu quarto (embora só duas delas morem lá oficialmente).
Ontem, acabamos conversando por mais de duas horas. Na noite anterior, também. Tudo porque, o UWC Day aconteceu no sábado, junto com o Dia Internacional da Paz. O UWC Day em Mostar incluiu um desfile de bandeiras e um festival de arte de rua (o último organizado por Uri e eu). Eu - e vários de meus amigos - não queria participar do desfile de bandeiras; acabei não participando simplesmente porque fiquei na Spanish Square arrumando todo o equipamento pro festival de arte de rua. Mas fiquei chocada que o desfile tenha causado tal conflito na escola.
Pra contextualizar um pouco, é bom lembrar (ou explicar) que os bósnios-croatas carregam bandeiras da Cróacia, os bósnios-sérvios carregam bandeiras da Sérvia ou da Republika Srpska e os bosniaks geralmente carregam a bandeira oficial da Bósnia&Herzegovina. É difícil entender, não? Bom, mas o conflito na escola começou porque Ajsa (a mesma mencionada a cima) trouxe a bandeira que supostamente é a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina. Durante o desfile, eu não sabia nada sobre essa bandeira; já tinha a visto, mas não sabia o que ela representava. O que aconteceu foi que alguns amigos (internacionais) vieram até mim e pediram pra que eu não postasse nenhuma foto em que essa tal bandeira aparecesse, porque, segundo eles, era a bandeira do exército bosniak durante a guerra. Eu concordei, meio sem entender - até porque eu não tinha tirado nenhuma foto em que qualquer bandeira aparecesse. No mesmo dia, à noite, no meu quarto, comecei a entender melhor o que tinha acontecido. Alguns alunos internacionais deram um Photoshop nas fotos com a tal da bandeira da "flor de lys", o que deixou alguns alunos locais enfurecidos. Ajsa começou a me explicar toda a história da bandeira, do brasão e da flor de lys, sobre como representa a dinastia Kotromanić, que era a monarquia do século XII (ou algo assim) e sobre como foi a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina assim que ela ganhou independência da Iugoslávia em 1992. Tudo começou a fazer sentido... E aínda por cima, Ajsa e Amina me explicaram que a atual bandeira da BiH não passa de uma coisa ridícula que representa o desejo do país de pertencer à União Europeia (o que explica as estrelas e o azul do fundo). Ok, mas o problema vinha do fato de que a bandeira do exército bosniak era extremamente parecida com essa tal bandeira e, com a guerra, os bósnios-croatas e os bósnios-sérvios começaram a enxergar essa antiga bandeira como símbolo da etnia bosniak, enquanto, na verdade, a bandeira não é nada mais do que a união das três etnias.
A nossa conversa me ensinou muito e me fez ver que o tal uso das bandeiras croata e sérvia pelos habitantes da BiH não é só inteligível para internacionais como também é para locais. Ajsa e Amina são ambas bosniaks e acham muito estúpido esse uso das bandeiras. Perguntei sobre a diferença cultural, que é muitas vezes usada como desculpa para, por exemplo, bósnios-croatas que dizem se identificar mais com a cultura da Cróacia do que com a cultura da Bósnia&Herzegovina. As duas deram risada e me disseram que é uma questão um tanto quanto econômica, considerando a Cróacia tem uma posição econômica muito melhor do que a Bósnia&Herzegovina. Elas me fizeram ver o quão vinculado à tradição e à religião esse conflito é. Deixou coisas muito mais claras pra mim e, ao mesmo tempo, algumas coisas bem mais confusas. É possível que um conflito no século XXI ainda seja tão ligado à religião? Uma professora de História me fez achar que nenhum conflito ou guerra recente acontece por motivos religiosos; mas aqui, a única coisa que separa as famílias, as pessoas, a língua, as tais nacionalidades é a tradição religiosa.
E agora me encontro nesse espaço engraçado em que eu sou uma internacional com visões locais. Algo que raramente - ou nunca - acontece. Exatamente pelo fato de que, pra nós que somos de fora, é extremamente difícil compreender toda essa história que esse país carrega de forma tão tensa. As coisas explodem em segundos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

living in a banana stejt

Mostar, 14 de setembro de 2013
1h15, sábado, Musala second floor - quarto #1

Foi um dia intenso desde o momento em que acordei: quando me dei conta que as duas horas que tinha planejado dormir (das 22h até à meia noite) não tinham funcionado e eu estava debaixo das cobertas com a mesma roupa do dia anterior e com a bebida energética deitada ao meu lado, em cima da minha mesa. Acordei sozinha, sem despertador nem nada, às 7h. Meu dia na escola foi extremamente curto: uma aula de biologia muito tediosa, dois blocos de matemática que foram cancelados pelo fato de que a professora bateu a cabeça na placa – literalmente -, um bloco inútil de história no qual fiquei pesquisando sobre o meu futuro, um almoço calmo e uma reunião breve e direta. Encontrei Amber e Markéta sentadas em Coco Loco. Quando Bo chegou, todas nós bebemos cerveja para comemorar "the whole two free days" que teríamos pela frente e nos deliciamos com nossas risadas espalhafatosa devido à diversão que tivemos naquele momento. Nos demos conta de como é fácil estar entre nós; do quão fácil é saber o que esperar uma da outra e aproveitar tanto essa amizade. 
A reunião sobre universidades na Europa e no Canadá foi um tanto quanto inútil, mas tive o privilégio de caminhar um pouco com Bengisu depois disso. Na volta pra Musala, me deparei com Reetta (Finlândia, minha segundo ano que voltou para seu terceiro ano) e fiquei genuinamente feliz em ver o vestido azul de bolinhas brancas e seu apetite por cozinhar. Sentei-me na cozinha e tentei trabalhar um pouco, sendo interrompida por diversas pessoas queridas. Saímos de Musala por volta das 17h10 para um jantar em Megi, para comemorar o aniversário da querida Christina (Austria). Tivemos um jantar divertidíssimo, super íntimo e gostoso. Ansiosas para o primeiro dia do Mostar Summer Fest (um festival de dois dias com bandas incríveis da BiH), eu e Mandula fomos juntas pra Old Man’s e acabamos sentadas com Ema (Sarajevo), que confiava em nós de tal forma que me trouxe uma felicidade, um carinho de segundo ano. Eu e Mandula resolvemos nos direcionar a Kantarevac e arrastamos Uri conosco. O espaço estava vazio por bastante tempo. Depois de uma meia hora, o espaço já estava mais ocupado – e ocupado por pessoas do UWC, finalmente. As primeiras bandas eram péssimas, mas a noite prometia. Zoster foi sensacional. Hladno Pivo também. Os primeiros anos são incríveis e me diverti demais com eles nessa noite, dançando, pulando, cantando... Demos muita risada. Quando retornei para casa, fui à varanda de Amber, esperando encontrar Bo, Markéta e Amber ali. Me deparo com as três dormindo juntos, num bolo de membros corporais debaixo de cobertas e só consigo sorrir com aquela cena na minha frente. Me debruço sobre o parapeito e admiro a vista, inclusive as luzes vindas de Kantarevac que dançam iluminando as montanhas que cercam o vale em que Mostar está. Amanhã promete... mais um dia, com SARS dessa vez e uma nova perspectiva.

(pela falta de tempo para escrever, deixei aqui, nos últimos dois posts, palavras escritas no caderno cor de vinho que carrego na mochila)

Utopija - Zoster 

domingo, 15 de setembro de 2013

as etnias do futebol

Mostar, 11 de setembro de 2013
11h40, quarta-feira, Spanish Room/TOK Class

Entre cafés e cigarros, a cultura da Herzegovina (a região do país em que Mostar se situa) é fascinante. Na maior parte do tempo, esquecemos que Mostar tem uma parte muito grande cultural; esquecemos que há coisas além da guerra e da Iugoslávia: Mostar viver o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano e sempre foi um ponto de encontro das diferente etnias balcânicas. Entre o café e os cigarros, não há muito cinema, nem muita arte plástica; há muita literatura, mas, infelizmente, não compreendo a língua para poder ser encantada e fascinada por Aleksa - o escritor que deixou o nome para o Club Aleksa, num beco na beira do Neretva. Interessante que as palavras "canção" e "poema" sejam a mesma nas línguas locais, numa composição artística-linguística tão bela. 
Curiosamente, uma grande parte da cultura da Bósnia-Herzegovina é, assim como no Brasil, ligada ao futebol. Mas, ao contrário do Brasil, aqui e mais nacional do que regional. A divisão entre as etnias se reflete muito claramente no futebol: os bósnios-croatas torcem pra Croácia, os bosniaks (ou muçulmanos) torcem para a Bósnia-Herzegovina e os bósnios-sérvios torcem para a Sérvia. Os jogos de futebol fazem de Mostar uma cidade assustadora e interessante. O Colégio sempre nos aconselha a não sair pela cidade em noites de jogos. Ano passado, quando a Bósnia&Herzegovina jogou contra a Grécia, a escola ficou bem apavorada com o fato de que tínhamos uma festa naquela noite e eu não entendi aquilo muito bem. Nas últimas duas semanas, ficou mais claro pra mim. Semana passada, a rua de Musala de repente ficou muito amarela e azul - as cores da bandeiras bósnia. Nunca tinha visto aquela bandeira enorme balançando ao vento em frente ao bar vizinho a Musala. Nunca tinha visto o bar tocar músicas num volume tão alto - e olha que eles tocam música muito alto debaixo da minha janela. Ter uma roommate bosiak e outra bósnia-sérvia - as duas sempre gozando do nacionalismo, sempre cantando músicas nacionalistas de brincadeira pra acordar uma a outra - me trouxe uma perspective engraçada enquanto elas traduziam pra mim a letra das canções horríveis que ouvimos do nosso quarto, xingando os sérvios e afirmando a superioridade bosniak. Naquela noite, a Bósnia-Herzegovina perdeu contra a Eslováquia e a cidade ficou calada. Ontem, quando voltava pra casa depois de passar 9h na escola, andando com Malak (Egito), reconheci aquele cenário de bandeiras azuis e amarelas. Mais tarde, quando voltava do Climbing Hall com Lucas (Brasil), Sjur (Noruega) e Chiara (Austria) ouvi os gritos de celebração pelo primeiro. Lucas tirou sarro que aquilo quase o fazia sentir-se em casa e eu falei que era quase como se o Corinthians tivesse feito um gol em SP (só que não). Encontrei Erika e Hannah (EUA) em frente a Musala, as duas conversando sobre aquela situação. Fiquei ali na Wall de Musala ouvindo suas reflexões de típicas estadunidenses, de quem nunca viveu uma coisa intensa como essa, de uma coisa tão grande por um esporte como é aqui. Quando a partida acabou, a rua de Musala foi à loucura. Dezenas de pessoas correndo, gritando, quebrando garrafas de vidro, soltando fogos de artifício. Chegava a ser assustadoramente intimidador. Chiara, Lucas, Malak e Hannah tinham que voltar pra Susac, então Erika e eu resolvemos acompanhá-los, como as experientes segundos anos que somos - mais tarde eu ri dessa nossa ação, pensando no que teríamos feito pra protegê-los. Chiara tinha que buscar sua bicicleta na Spanish Square e tínhamos que passar por Musala Square onde todos os bosniaks da cidade pareciam estar concentrados. Foi assustador e decidimos dar uma volta gigantesca pela ponte de Del Rio e virando na Boulevar com Chiara e Erika. Encontramos uma tropa de choque ali e pensei em todos os protestos de Junho enquanto flashbacks vinham à minha mente. Passamos de cabeça baixa. Quando retornamos, eu e Erika, pelo caminho tradicional da escola para Musala, nos deparamos com as grandes lixeiras de Mostar espalhadas pelo asfalto da rua, soltando fumaça de um fogo recém apagado. e com vidros quebrados por pedras. Fiquei com aflição das pausas que fazíamos para que Erika fotografasse, mas ela definitivamente conseguiu fotos interessantíssimas. Em Musala Square, havia uma multidão de torcedores. Era quase uma parada quando os carros passavam buzinando em ritmo de celebração. Havia um caminhão carregando vários homens sem camisa - mostrando sua masculinidade? - que gritavam de forma alucinada com bandeiras e faixas.
Chegamos em Musala on time para o check-in. Ena (Zenica - BiH) nos contou sobre o conflito que ela assistiu em Spanish Square, com quase 20 homens jogando pedras do lado croata da cidade, na Boulevar, procurando briga, gritando para que os policiais parassem de ser covardes e atravessassem para o "lado de cá". Foi muito simbólico pra que eu pudesse entender outra vez que o prédio do colégio e a Spanish Square são, de ato, o espaço de divisão. Os policias estavam parando todos que "tentavam cruzar para o lado croata". Mas quanto às questões futebolísticas, fiquei chocada. Vivi a vida inteira na cultura do futebol, na cultura dos "Clássicos" Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos e nunca vi algo assim. Claro que há violência. Que a torcida, a massa de gente, leva, várias vezes, a violentas brigas e extrema competitividade. Mas não poder usar as cores do time adversário na rua é demasiadamente chocante. O conflito étnico refletido nessa paixão pelo futebol.

(pela falta de tempo para escrever, deixo aqui palavras escritas no caderno cor de vinho que carrego na mochila)

domingo, 8 de setembro de 2013

abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer

Lucas me deu bom dia perguntando-me "sabe que dia é hoje?"; dei risada e falei que sim, que era o dia da Independência do Brasil e os nossos amigos começaram a falar "parabéns" e nós dois demos risada. Independência engraçada a brasileira, não? Tivemos um dia incrível, uma viagem pra Konjic - uma cidade a uma hora de Mostar, na estrada Sarajevo-Mostar - com outros 43 alunos e os professores mais incríveis do colégio pra uma manhã e tarde inteiras de rafting! Meu barco foi incrível! Tamar (Israel), Bo (Países Baixos), Markéta (Rep. Tcheca), Yaara (Israel), Ruaidhrí (EUA/ Canadá), Sarah (França/Alemanha), eu e Ljubica (muito querida professora de alemão) formamos o time (que apelidamos de "1,2" devido ao nosso canto para remar) que ganhou no final. Nos divertimos muito - muito mesmo -, especialmente nas nossas paradas para nadar no Neretva - absurdamente gelado -, para pular de pedras muito altas - lembrou-me das minhas viagens para a Chapada Diamantina, no Nordeste do Brasil. A melhor parada foi quando descemos do barco - ideia de Ljubica - e boiamos, sendo levados pela correnteza do rio. Eu e Tamar fizemos de mãos dadas e eu dava muita risada, quase me afogando, enquanto Tamar gritava de uma forma absurdamente engraçada e depois tive que resgatá-la porque ela não conseguia firmar o pé no chão para sair do rio. Nos sentamos numa praia de pedras, na beira do rio, com todos os outros times e comemos um peixe maravilhoso, recém pescado. No final do dia, estávamos todos acabamos, mas ainda tivemos tempo para nos deliciar com a comida homemade, na casa do nosso guia. Verdadeira comida bósnia: arroz, pimenta recheada, goulash, batatas, frango, sirnica (leia-se: cirnitsa) e até um cafézinho ao final da refeição. Voltei no ônibus ao lado do Lucas. Adormecemos com música brasileira nos nossos ouvidos. Na volta, fomos a Old Man's para tomar um shot de rakija pela nossa cômica independência. Fui dormir como um bebê, exausta pelo dia e com o estômago estragado - a comida parecia boa, mas acabou com nossos estômagos. Nessa manhã de domingo, encontrei Uri sentado em frente à Musala e resolvemos ir ao parque para olhar o céu absurdamente azul. O contraste entre o verde das árvores e o azul do céu trouxe uma calma tão grande pra mim enquanto deitava na grama com Tamar, escutando o didgeridoo de Uri. Tanta calmaria. Acabei no quarto de Maud (França/Itália), uma hora depois, comendo tomates com orégano e conversando sobre famílias, faculdades, arte, filme e sobre tudo que mais gostamos e planejando nossa comemoração do aniversário de Jochem (Países Baixos).
Um pouco de descrição nem sempre faz mal... O ar está agitado, Mostar está pelando e nós temos tanto mistério ao redor enquanto rimamos nossas vidas numa dança doida.

Uri


sábado, 7 de setembro de 2013

cabem três vidas inteiras

Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa
Cabe até o meu amor

Enquanto nos sentávamos na Wall de Musala, no nosso habitual espaço - especialmente meu, como uma moradora repetitiva de Musala -, esperando pelo nosso check-in, davamos risada sobre sermos 'melhores' que nossos segundos anos, sobre sermos criativos e fazermos coisas que eles nunca fariam; num tom de zombaria, mas também de verdade. Ogi (Macedonia) me abraçou: estranhei. Não estou tão acostumada a abraços em Mostar - os europeus são bem mais frios -, muito menos aqueles vindos de Ogi e Uri (Israel). Ogi me revelou que ele tinha abraçado muita gente naquele dia, que tinha sido um dia estranho. Dei risada; tinha tido a mesma conversa com Markéta, sobre como aquele dia tinha sido bizarro, sobre todos agindo de uma forma meio estranha sem motivo algum. Foi um dia de descobertas, na verdade. De uma montanha russa de emoções tão comum no dia-a-dia do UWC - mas à qual não estava mais acostumada. Tinha passado a tarde toda meio sozinha, na minha, enfeitando a minha parede branca: preenchendo-a com mapas da minha viagem pela Europa, com fotos de meus amigos do Brasil, do CISV, do UWC, com posters e todo o tipo de coisa (desde um leque espanhol até um poster antigo de Across the Universe); quando saí de Musala pra encontrar Markéta na ponte para irmos ao Climbing Hall, sentia uma irresistível vontade de fugir, de correr e me enfiar em algum lugar em que aquela angústia esquisita e inexplicável iria sumir. Mas fiquei ali na ponte, esperando pela chegada de Markéta, olhando para o Neretva e pensando. Quando ela chegou, conversamos no caminho ao Hall e foi só... um reflexo da nossa amizade. Talvez a única beleza de ser segundo ano seja ter tantas pessoas com as quais contar.
Algumas horas depois, quando me encontrei na "praia" (ou como Lucas e eu decidimos, 'riverside'), apoiada nas costas de Lucas, me lembrei. Voltou tudo à tona. E mais tarde, Mario (Espanha) me fez perceber que é algo que acontece quando estou com either one (ou com Lucas ou com Mario)... Essa coisa meio latina, a risada genuína e legítima, as piadas de alto (baixo) nível, o calor latino... Lucas e eu nos sentamos numa mesa de madeira, colocada sobre as pedras da praia, encarando Neretva e tivemos nosso momento sério e engraçado, sem nenhuma vergonha: é tão natural. Falamos sobre tudo - e mesmo assim, toda vez que conversamos, sinto que temos tantas outras milhares de coisas pra conversar -, sem nenhuma censura moral. Até nos misturamos no português e no inglês (embora tenha sido ele quem fez questão que falássemos em português), deixamos uma egípcia - quase uma adotada - sentar conosco - mesmo que ela não entendesse nada - e, ali, naquele pequeno espaço, coube nosso amor. Coube três vidas inteiras.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

mentira primaveril

Belgrado é a cidade das escadarias, dos bondes de graça (ou pelo menos que fingimos ser de graça enquanto nos esquivamos dos raros cobradores), das letras cirílicas (que Tamar consegue ler, ainda bem), do chuveiro pingante do nosso hostel, das camas terrivelmente rangentes. Também a cidade em que eu fui guia de um grande grupo, completamente perdido que me arrastava pra todos os lugares e me jurava que se estivessem sem mim não chegariam a lugar nenhum (conhecendo meus amigos, sei que é verdade). Belgrado não passou pela mesma guerra que Mostar passou - foi minha impressão. Avistei pouquíssimos prédios que aparentam ter passado por uma guerra, e, na verdade, a maioria deles foi vítima das bombas de 99, jogadas pelos EUA. Belgrado é claramente uma cidade que foi muito desenvolvida; uma capital de um país que costumava existir, que costumava ser comunista - isso é muito claro no formato dos prédios cinzas. Adorei me enfiar por ruelas, adentrar prédios misteriosos que acabavam sendo galerias de arte ou museus sobre história romana. Senti saudade da minha irmã - muita saudade. Amei meus amigos enquanto sentávamos pra tomar café e quando acordávamos de manhã, pressionando uns aos outros para se arrumar, para que pudessemos iniciar o dia. Foi uma continuação das minhas férias, da minha viagem pela Europa (só que dessa vez pelo 'Oriente' da Europa); não pareceu só uma pausa: pareceu que eu ainda não tinha retornado a Mostar. E, na verdade, se eu não tivesse visitado meu quarto por alguns minutos antes de correr pra escola, todos os abraços que eu recebi, que pareciam tão saudosos, teriam me feito duvidar minha presença em Mostar durante o Induction Period. Quatro dias foram muito aqui; foram muito pouco em Belgrado. O show do Roger Waters foi fantástico, mas não foi o ponto alto da viagem; muito diferente - e ao mesmo tempo incrivelmente igual - ao show que assisti em São Paulo em Abril de 2012.


- Sem ofensas, mas vocês, brasileiros e mexicanos, têm sempre essa mesma cara que você tem. As mesmas feições...