sexta-feira, 28 de março de 2014

fragmentos (destruídos, em tradução)

- Sinto falta do Lucas.

- Nem me fale...

- É?

(Respiro fundo. Frustrada. Cansada. Sentimental)

- Sim. Nos últimos dois meses, eu estive tentado organizar uma sessão latina...

- É... Mas, sabe, é estranho. Ontem, na praia debaixo da Ponte Velha, eu vi a Marta, o Simon e você abraçando e eu senti que vocês eram minha família. De verdade, Sof, é muito estranho! Realmente senti como se vocês fossem minha família, um carinho muito imenso. Muito, muito esquisito.

(As lágrimas ameaçam. Não vêm. Mas eu as sinto escorrer por dentro de minhas vértebras. Vermes.)

- Eu sei. Também não consigo entender. Mas somos. Realmente sinto como se vocês fossem meus babies.

- Eu vou sentir muito a sua falta ano que vem.

(Pronto! Aí está, Maon! Agora posso ser a resistente. A indiferente. Mas sei que é verdade. E me confundo com essa mistura de reações.)

- Eu vou estar pertinho.

- Eu sei. Mas eu vou sentir falta de ter você na minha vida. Você vai ser uma memória muito boa.

- Você também.

- Espero que sim. Você já sabe o que você vai fazer? É oficial?

(Tremo. Apavoro. Quero cuspir tudo que se embaralha na minha cabeça.)

- Não é oficial, mas, bom, eu vou pra Alemanha, é isso. E você tem que me visitar.

- Bom, agora eu tenho alguma razão para conhecer a Alemanha. E uma muito boa.

Um silêncio ocupou nossa caminhada. Chegávamos em Susac.

- Olha! Vênus! 

- Onde estão minhas Três Sofias?

segunda-feira, 24 de março de 2014

a lei natural dos encontros

Tenho uma mania de criar teorias sobre o contato social e sobre a cultura do UWC Mostar. Há the balance theory, the generations pattern (não é minha criação e não concordo com ela), e a two types.
Gosto de pensar que há dois tipos de pessoas nesse colégio - e não ignoro as exceções. Há as pessoas que permanecem em seu quarto e recebem visitas. E há as pessoas que visitam, que raramente são encontradas em seus quartos.

Durante meu um ano e meio morando em Musala, sempre me coloquei na segunda categoria. O #8 e o #1 nunca foram necessariamente lugares de descanso, de calma. É verdade que no último meio ano o #1 se tornou ponto de visita também, enquanto me encontrava com mais pessoas sentadas na minha cama do que eu jamais imaginaria que caberia. Mas o #8 nunca foi ponto de visita e devo admitir que parte disso foi simplesmente porque eu nunca estive por lá, a não ser nas madrugadas viradas olhando para as cores amarelo, verde e azul do lado de fora. Durante meu ano e meio morando em Musala, eu me aventurava em dar boa noite de quarto em quarto nas noites em que meu humor estava em euforia.

A minha mudança pra Susac me trouxe pra categoria um. E isso me foi absurdamente estranho no começo, quando não fazia sentido sair do quarto pra procurar meus amigos, porque eles geralmente já estavam lá quando eu chegava. Então me instalei nessa categoria, na zona de conforto do #10, com as madrugadas cheias de café e a luz acesa mesmo que Eli já tenha adormecido.
Agora, retorno. E me pergunto que diabos isso significa.
Retrocesso?
Me carrego para uma semana em Musala. Sem saber o que vai ser desses loucos dias que estão por vir, com uma Conferência se aproximando e prazos finais do IB. Mas no final das contas estou agradecida que meus próximos dias não sejam sobre mim, que eu não tenha que priorizar minhas próprias responsabilidades.

sábado, 22 de março de 2014

na lista das melhores sonecas

(escrito na madrugada do dia 19 de março de 2014)

me perdi na beira do mar
Sinto falta da praia.











~~

Fui-me e desapareci no infinito desejo de existir no presente. E perdi o meu futuro. Por querer tanto estar e ser. Se mereci, então, cabe a mim entender e pisar com as pontas dos pés próximo à água do mar. 

Sem medo de me perder.



(escrito em algum lugar da costa croata no dia 22 de março de 2014)


beira do mar, lugar comum
(...) E penso que crescer em praias de areia me fez imaginar que o solo da praia era estático, não se movia. Só a água se movia. E já havia ouvido dizer que a areia se movia, mas pensava que ela o fazia quando ninguém estava olhando. Ela parecia tão calma e aglutinada debaixo de mim, debaixo da espuma das ondas. E eu adorava caçar aqueles pequenos bichinhos que pegavam jacaré para chegar na praia e se enterrar ali na areia. Era um passatempo e tanto.
E agora penso que as praia de pedra não são mágicas dessa forma. Mas são mágicas pelo barulho das pedras dançantes quando a onda retorna para o mar. A água as suga como se esperasse trazê-las de volta. Desmanchando a (in)existente formação.



Beira do mar, todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul

Tudo isso vem, tudo isso vai
Pro mesmo lugar
De onde tudo saiu

quarta-feira, 19 de março de 2014

os da minha rua (ou bolo-de-peixe e marca-texto)

Não sei qual foi a última vez que falei com o abacateiro, e, na verdade, acho que faz tanto tempo que passei por essa transição que acaba fazendo sentido eu não ser capaz de resgatar nenhuma memória, embora pareça idiota que abacateiros não falem mais enquanto me deparo com gatos falantes chamados Roberto, que se esgueiram para trás da parede de escala - ah, se eu fosse um gato! - e permanecem sorrateiros mesmo com os chamados em voz fina - "mali, dođi vamo" -, especialmente porque penso que se eu fosse Roberto não perderia a oportunidade de escapar do quarto e deixar uma mensagem em marca-texto verde - good night - e deixar o cheiro do bolo-de-peixe cozinhado no primeiro andar, sem ter ao menos me perguntado sobre as risadas que haviam irritado o sótão inteiro só por causa de um esquete que nem mesmo foi atuado.

domingo, 16 de março de 2014

os ais e os hão de ser

Uma das primeiras coisas que eu aprendi na vida foi que tudo passa. Quando eu caí da escada na chácara da minha avó, quando meu pai acidentalmente queimou meu rosto ou quando aos catorze anos entrei numa difícil crise psicológica, era só isso que me diziam. Que tudo passa. Que passa quando casa. Passa como os aviões e as vuvuzelas de plantão.

Paixões também passam; por isso nunca consegui me jogar de cabeça nelas. Por isso por certo tempo acreditei que não havia mais a leitura em mim, que havia perdido esse sou passado. Porque passou. Amizades passam também. E o que há de tão cruel nisso? Somos moveis - e não moveis de enfeite, mas moveis perambulantes.

E tudo isso porque quero deixar aqui declarado o quanto odeio a palavra nunca. Odeio quando me dizem que eu sou incapaz de fazer algo, mas muito mais quando me dizem que eu nunca vou poder fazer algo. E detesto desde as minhas entranhas até o produtor das minhas lágrimas de raiva essa volatilidade do tempo. Porque está tudo na sua cabeça e, se você me dá licença, eu prefiro ficar com a minha própria e não aceitar o uso constante da palavra nunca. E aceite, por favor, que a palavra último pra mim tem conotações primaveris, doces e somáticas, que prefiro não carregar esse tipo de angustia junto ao meu corpo.

segunda-feira, 10 de março de 2014

o que há atrás das placas pretas (ou I tried really hard to fake it but I couldn't)

Corpos - corpuses - agonizam em silêncio. Estáticos, paralisados. Prendem o riso, o choro, a ânsia de se esconder. A ansiedade oculta detrás dos tons vermelhos e pretos. A luz pulsante e irritante acima de suas cabeças, esquentando o topo da nossa mente, o cérebro, os nervos que nos permitem memorizar nossas falas. Então seus corpos se misturam ao nossos, se aglutinam, se esgueiram por entre nossas pesadas excelências. Como sotaques do sul (e aquela minha cuia desaparecida). Nos invadem. E quase pulo da cadeira, achando que é a hora, mas ela segura minha mão com força e permanecemos ali nas cadeiras na lateral do palco. Ou da plateia. 
Nos levantamos e caminhando para trás da placas pretas. E é então quando começo a sorrir inusitadamente. Porque não há cortinas, nem coxias, nem peça. Há nós, vaginas. Unidas.

Pussies unite! 

E aqueles sussurros desesperados. 
Cantando, atiçados.
Com medo. Ariscos. 
Somos peças fundamentais do que vem a seguir. Dos monólogos ensaiados de pedaços certeiros.


Behind the black screen, há todos esses corpos vestidos de sangue e aflição.
Há meu medo, o seu, o nosso.
Atrás das placas pretas, há abraços confortáveis (e outros nem tanto) de apoio.
Incentivo.
Atrás das placas pretas, pode-se ouvir a vibração de ossos. De corpos. De pele, mãos, pés. Tudo se mexe involuntariamente.
Atrás das placas pretas, pode-se tocar a invasão daquele cheiro de entusiasmo. Ilustrativo. Emergente. 
Salta de corpo em corpo, de boca em boca, de passo em passo. Cafajeste. Nos suga.
Atrás das placas pretas, há a certeza de cheirar o que acontece do outro lado das placas pretas. 

E é atrás da placas pretas em que vive a magia de estar no palco. Sem coxias, sem pressa, sem atraso, sem nervosismo. Porque somos vaginas. Somos cruas, puras, abertas, ansiosas. Somos inseguras. E estamos atrás de placas pretas, no aguardo do palco-plateia.

E termino a noite pensando que começos são melhores que finais. Mas digo isso pensando especialmente nas placas pretas e pensando no orgulho que tenho dos que me cercam.

quinta-feira, 6 de março de 2014

sobre finais e cantorias

Sabe quando o livro acaba sem continuação?
Ou melhor: sabe quando você já está nas últimas páginas do livro e sabe que a história acabará de forma incompleta? Quando você sabe que não importa o quanto venha a seguir, quantos eventos acumulados, mortes inesperadas e avalanches de realização. Que de uma forma ou de outra a história estará inacabada.

Ou não. Talvez o final da história seja a ausência dele.

Mas, é isso: me sinto nas últimas páginas de uma história, sabendo que o fim não será suficiente. E me encontro agonizando entre a contradição dos meus oitos e dos meus oitentas.

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Drummond de Andrade

domingo, 2 de março de 2014

esmeraldas e marisois

Resolvi deixar aqui um pouco de background sobre o post anterior, porque me parece que, caso você, leitor (quem quer que seja), não esteja informado sobre a minha vida, meus últimos escritos nessa Escala não fazem o menor sentido... O menor senso de tempo, espaço ou atividades.

Depois de uma semana fatigante, na qual a minha mente se mostrou muito mais exausta que meu corpo - pra contradizer tudo que já vivi nesse lugar -, parti. Na quinta-feira, após um trágico exame oral de inglês e um excelente de espanhol, deixei Mostar com Marta, Nouf e Paula. Outra vez (e provavelmente a última) para ir a Sarajevo. Nos encontramos outra vez em Ljubicica, naquele canto de Barščaršija, depois de termos passado pela padaria francesa e nos deliciado com croissants e pães maravilhosos. O que preencheu nossa tarde foi aquela sensação que tivemos enquanto nos aventurávamos por livrarias e papelarias... como crianças na véspera do Natal.

Acabamos em Gold Fish com nossos novos cadernos, escrevendo e escrevendo. Naquela mesma mesa. Com a mesma apreciação do silêncio, mas uma notável diferença na presença de cada uma de nós.  E nos dirigimos à Chipas e, por fim, ao Guinness Pub. Como sabíamos que seria; como foi da outra vez. E quando deu meia noite, celebramos o aniversário de Marta, nascida no dia 29 de fevereiro, com quatro velas e meia. E várias višnjas. A noite acabou com "This is the A-R-E-A of L-O-V-E" gravado na parede. Feliz cumple, Martita!

Na manhã seguinte, parti para Tuzla com Bo e Markéta. Exatamente um ano atrás, havíamos nos aventurado juntas para Dubrovink e, ali estávamos, mais velhas, mais maduras (?). Um ano passado. Quando chegamos em Tuzla, Markéta partiu pra Belgrado e Bo e eu nos instalamos no Apartamant 03. Tuzla me deu uma nova noção sobre o país, com seus compridos prédios e seu espaço público mal utilizado. 

Na tarde seguinte, pegamos o ônibus pra Srebrenica.

Background: Srebrenica é uma cidade no nordeste da Bósnia&Herzegovina, muito próxima à fronteira com a Sérvia. Resumidamente, durante a guerra, Srebrenica era uma enclave protegida da ONU. Grande parte da população era bosniak. Em 11 de julho de 1995, cerca de dez mil (de uma população de trinta e dois mil) foram assassinados. O genocídio mais recente da Europa. Os Países Baixos tiveram um papel muito importante em proteger a enclave (o que não deu muito certo) e, por esse e outros motivos, Bo sempre quis conhecer Srebrenica. E eu também. Mas foi um tanto irônico que acabássemos somente encontrando tempo para visitar a cidade no feriado da Independência da Bósnia. A mesma independência que influenciou a invasão sérvia no Leste do país.

Srebrenica não é nem de longe destruída e triste como imaginávamos que seria. Um pequeno vilarejo com uma população atual de cerca de duas mil pessoas. Cinquenta por cento bosníaca, cinquenta por cento bósnio-sérvia. Cirílicos e latim. Uma cidade fantasma, com algumas ruínas e várias casas reconstruídas. Vários cães perdidos, como em todas as cidades desse país. A atmosfera não era pesada como eu imaginei que fosse ser. E Bo e eu nos aventuramos a caminhar seis quilômetros estrada abaixo para encontrar o memorial do massacre. O resto é autoexplicativo (ou pode ser encontrado abaixo). E foi seguido por uma caminhada matutina a uma fortaleza, uma casa abandonada e uma fonte de água. E um retorno mágico a Mostar, com a alegria no peito. Refreshment.

PS: Por conta da minha câmera quebrada, não pude tirar verdadeiras fotos. Tirei algumas com a pequena câmera de Bo e com a câmera de Marta. Cá estão algumas.





Desenho de uma capela




Famosa água de Srebrenica





PS2: Vou guardar pra sempre na memória aquele sorriso vibrante, genuinamente alegre, no rosto de Marta após receber o presente de aniversário de Paula. Sou cursi e sei: mas há amizades que nos deixam felizes só de ver. E, naquele momento, em Gold Fish, eu sentia essa felicidade inexplicável por uma amizade alheia. Mas não tão alheia assim.

sábado, 1 de março de 2014

memorijalni centar (ou última ponta do triângulo)

Parecia-lhe ridículo que não fosse capaz de escrever. Em vez disso, tirou o caderno da bolsa e começou a desenhar. E nem mesmo desenhar conseguiu, porque perdeu a completa noção de perspectiva. Aquelas linhas não faziam sentido. Tentou uma, duas, três vezes e acabou por se encontrar desenhando no escuro, sem saber direito onde deixava traços de grafite no papel. Finalizou o desenho com a rosa, a rosa deitada em cima de todos aqueles nomes. Nomes repetidos insólitas vezes.

E pôs-se a caminhar, notando finalmente aqueles blocos brancos. E, naquela escuridão da noite de sábado na beira da estrada, teve a sensação estranha de se encontrar na França, naquela manhã de agosto, enquanto andava de bicicleta por entre vinhedos. A sensação dos vinhedos: uvas abrochando, quase prontas para serem conservadas e transformadas em vinho. Algo nascendo, crescendo, vivendo. E naquele vinhedo francês, podiam-se distinguir os corredores que eram criados pela organizada formação dos arbustos. Tinha uma urgência de pular da bicicleta e correr por aqueles corredores, sem saber se encontrar naquele labirinto de vida e cores, debaixo do sol de verão.

Mas estava num lugar completamente diferente. E em vez de passear pelos corredores, se arrastava lentamente por entre os caminhos de ladrilhos. Paulatinamente, sem pressa, sem prece.

Parcela M5.

Sentia-se embriagada com aquela sensação de vazio que havia preparado dentro de si para uma invasão insueta que não viera. Deadly silence. Só ouvia o saco plástico amarelo batendo de encontro ao seu próprio corpo. Não havia nada para preenchê-la.

Tentava trocar o ângulo de visão, tentando se livrar da sensação do vinhedo. Mas não podia. Porque não havia direção na qual olhasse em que não pudesse distinguir corredores. Corredores formados por figuras vestidas de branco, imobilizadas, estáticas, empalhadas. Era isso que via e não aqueles polidos blocos brancos pontiagudos que preenchiam sua visão. Não conseguia escapar dos atrativos corredores que a puxavam para que corresse por entre eles, brincando de esconde-esconde. Eram figuras mortas deitadas debaixo da terra, gritando por socorro dentro de pedras brancas amadurecidas. Cortantes, falsas, esmaltadas.

8372.

Se encontraram no meio do caminho ("why that one?" "because... I don't know") e avançaram juntas. Eram só elas duas. I wonder what the empty spaces are. E torneiras, várias torneiras diferentes, sem sentido algum. Umas de rosca, outras de alavanca. Finalizaram juntas, de frente ao portão fechado.

“Should we go? I am a bit creeped out.”

A outra sorriu.

E, assim, partiram numa van policial - no mesmo dia em que pularam a cerca de uma capela. Era escuro e o vinhedo ficava pra trás, com o mesmo vazio pleno com que havia aparecido no horizonte antes do sol se pôr.

“I couldn’t understand how they can be all the same, while there are completely different stories behind each single one of them.”
“They were all the same in their death. They were all the enemy.”