sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

tempos de pião e sal

Uma das melhores tardes que já tive na minha vida, por mais exagerado que isso seja. Ou melhor, não somente uma tarde, mas um dia todo. Começou com meu despertar com o despertador às 7h, que havia sido programado pra acordar um pequenito (um tanto quanto grande) que havia adormecido por acidente ao meu lado. Voltei a dormir quando ele se foi e acordei para almoçar e fazer minha prova de Inglês. Não me senti culpada por ter "pulado" a prova de Matemática: me deu energia pro dia todo. Como Mateusz (o incrível professor de Física do colégio) me disse, a lição de aprender a dizer "não" é uma das mais importantes e aqui estou eu tentando aprendê-la. Havia dormido quase dez horas, algo extremamente raro e impossível nesse lugar. E ali estava eu a ponto de caminhar até a cantina, já um pouco atrasada, quando Ruby (Países Baixos) me chama para pegar um taxi (um luxo desastroso de moradores de Susac).
Depois daquela prova estúpida e um tanto quanto bullshit, fui para Old Man's com Amber, onde havíamos combinado de nos encontrar para tomar cerveja depois de acabar nossa primeira semana de Trials. Foram duas horas prazerosas em que nosso assunto foi de capitalismo, socialismo a relações sexuais. E como disse, é tudo muito fácil com Amber. Pegamos um croissant no caminho enquanto eu me dirigia a Bristol para encontrar Paula e Marta: tínhamos programado de tomar café juntas. E, pra variar, me diverti muito com essas duas queridas primeiros anos, que deixaram de ser meras crianças primeiros anos e se tornam grandes e especiais amigas. Ali estávamos, rindo absurdo, tirando sarro uma da outra. Marta teve que ir, mas eu e Paula fomos comer pizza em Patak, por onde conversamos por mais 2h, sempre nos reconhecendo como sendo extremamente parecidas em diversos aspectos. E ela me acompanhou até No Flash, onde eu encontraria meus queridos primeiros anos para uma improvisada Latino Drinking Session. Enquanto esperava eles chegarem, Paula ficou comigo em frente a No Flash (por meros 25 min... latinos sempre atrasados) conversando sobre essas coisas que somos e não somos. E quando Marta chegou, entramos as três e decidimos que assim seria se os outros três não aparecessem. E foi assim que Paula se uniu à nossa Latino Drinking Session, que foi, sem sombra de dúvidas, uma das mais divertidas. Depois corremos para Musala (literalmente; eu nas costas de Simon e Marta nas de Lucas) para jogar dardos (os mesmos dardos que Simon deu pra Marta no nosso Amigo Secreto). E estávamos os cinco deitados na cama de Marta, chorando de rir, como sempre parece ser. Somos such mamás, no? E quando saiamos de Musala nos deparamos com alguns dos mais queridos professores desse colégios, Mateusz, Andrew, Clara e Greg, que estavam tendo uma conversa um tanto quanto estranha sobre o quão latina sou. Engraçado. E assim caminhamos, eu, Noam, Simon e Lucas a Susac (porque é onde moro agora), com hinos nacionais e músicas da Disney em diferentes línguas. E assim que entrei no meu quarto, me deparei com uma sticky note da minha querida colega de quarto, dizendo que ela tinha indo assistir Ninfomaníaca (inveja!) e logo estaria de volta. Sentei na minha cama e assim que abri o computador, descobri que meus amigos haviam entrado na USP. E assim meu dia fechou com essa chave de ouro, com Mumford & Sons, meus amigos universitários e meu sorriso de canto a canto do rosto. Crescemos, meus queridos. E aqui estamos (ou vocês estão). E meu orgulho não poderia ser maior.

"-Você sente falta de Tamar?
- Sim. Mas é o tipo de amizade que não me consome tempo. Não preciso estar com ela o tempo inteiro, porque ela está logo ali."

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

criadora de pulgas

Primeiro exam se foi. E embora saiba que eu não o fiz da melhor forma que podia, não me deixei incomodar. Saí da sala G4 aliviada, craving por um café de cinquenta fennings (como se chamam os centavos do marco convertível). Dei de cara com Amber (Bélgica) que me esperava com aquele sorriso largo no rosto como de costume e nos dirigimos a Jump Jump (o café que frequentamos ao lado do refeitório do colégio). Acabamos sentadas no sofá, conversando calmamente sobre deixar esse lugar. Com Amber parece tudo fácil, porque sei que ela em Londres (já que foi aceita na University College of London) e eu em algum lugar por aí, não perderemos contato; mas começamos a conversar sobre deixar nosso primeiros anos aqui, pensar que eles vão continuar nosso legado e vão levar pra frente projetos e ideias que não conseguimos botar em prática nos curtos - e longos - dois anos.
E tinha tido uma conversa semelhante na noite anterior com Silvia (UWC-USA 2011-2013) (Acho que você e eu temos uma coisa bem parecida quanto a UWC; um apego muito forte), depois de uma noite drasticamente dolorosa por conta da primeira 'chuva de neve' que me deixara ensopada, congelando no frio das caminhadas Susac-Climbing Hall. E quando entrara no meu quarto, querendo pular pra dentro do chuveiro (meu próprio chuveiro!), havia me deparado com Elissavet e Simon rindo, deitados na minha cama (not in my bed, guys!), transformando meu humor e me enchendo desse carinho imenso que sinto por esse lugar e por esse novo quarto de madeira. E foi o mesmo quando Simon deixou nosso quarto às quatro da manhã, apagando as luzes e fechando a porta, me despertando daquele sono leve no qual eu tinha embarcado.
Embora tenhamos que estudar para esses malditos exams, não o estamos fazendo. No final das contas, fico feliz que o estresse não tenha capturado nenhum de nós de forma brutal. Sinto que, no geral, nossa geração está keeping it cool e mandando um (perdoe minha linguagem) foda-se pra esses inúteis MOCKS (aka Trial Exams). O que, talvez, resulte em tragédia nos Final Exams. Mas no worries, a vida é agora!

Vivemos exclusivamente no presente pois sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje; a eternidade é o estado das coisas neste momento.
Clarice Lispector - A Hora da Estrela

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

quizá seja só o capim-limão

Engraçado como as crises políticas no colégio de repente aparecem assim, sem mais nem menos. Digo, elas estão aqui na nossa frente, mas aí de repente uma pipoca pula pra fora da panela e ali estamos, todos sentados no Spanish Room na frente de um senhor britânico nos perguntando se achamos que nossa escola deve continuar existindo. Tudo errado. Odeio dizer isso, mas a ignorância política e diplomática de vários dos meus colegas me deu nos nervos - e nos nervos de muitos outros. Há quem não sabe nada do que acontece - por não querer saber - e ainda ousa levantar, speak up pelos outros alunos. Discursos emotivos, bobos, clichês. Nada construtivos do ponto de vista do futuro dessa escola. E ali naquele momento eu senti toda aquela energia pesada no ar. Christina até parou de tricotar ao meu lado e parecia que tinha até medo de respirar; não queria fazer barulho. Eu gelei na minha cadeira e travei; não consegui nem pensar em levantar, em falar. Talvez porque eu nem soubesse a resposta pra aquela pergunta. E ali minhas energias do resto do dia se esgotaram, mesmo que eu ainda tivesse duas longas aulas e uma reunião de emergência do Student Council; o que fiz sem paixão alguma.
Mas foi assim que eu desisti de estudar para as minhas Trials, que começam depois de amanhã. Afinal de contas, por que eu me importo? Foram dois tombos essa manhã por conta do gelo nas ruas. E essas provas não valem o nível de estresse de todos nós e não valem o meu. Ligo aquele modo em que me programo pra não me importar. Seja o que for, com una sensação de culpa pessoal e decepção comigo mesma, mas nenhum arrependimento. Não consigo estudar agora. Então leio "A Hora da Estrela", cercada de pessoas muito queridas que ocupam o meu novo quarto.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

la papa rica do mundo de sušac

Aqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda 
Em nossa recompensa

A curva do universo inteiro se mantém estática no sofá ao lado da porta. A paz na solidão se extingue, na medida em que essa última não pareça existir. ¡La papa rica! E somos tantos e tão poucos. E me deito na cama ao lado de uns, ouvindo árboles y sonoridades que me embalam num sono distinto. Gira-mundo, gira-gira; é como me sentia, como num cesto cheio de maçãs. Uma reviravolta age dentro de meu estômago, dentro de uma parte de mim que esqueci que existia. Me embrulhei em conforto, em um tentativa quase que forçada de me encontrar presente. Mas eu não precisei tentar muito, porque aquelas presenças ali me cobriram com vibrações de calma. Era tudo parte do meu mundo, daquele mundo para o qual meu sono lento me orientava. Caminhava por uma região escura, quase sem luz nenhuma, assustadora; e, porque não usava minhas malditas botas de galocha, me agarrei a galhos das árvores, me segurei a um guarda-chuva. A lama me perseguiu naquela trilha e depois enquanto ia pra cima e pra baixo, numa exaustiva tentativa de voltar à minha forma original. Exaustão. Una cuadra de yacarés ali diante de mim, enquanto me ponho a rir em frente a um cuaderno de viaje e sorrio. Afinal, nada em nossos sonhos fazem sentido, não? O filme que assisti numa noite anterior se lançou num paralelo com a introdução de um livro e com a música cantada em frente à janela do terceiro andar. Pulo. Encontro Pedrito y sus alas. Um tigre. Me pego presa em palavras de memórias. Sinto uma dor de prender o fôlego, de enxergar o solo por debaixo dos nossos narizes. Vou pra casa duas vezes no dia. Uma, pelo caminho; outra, por micos leões. E acordo numa gritaria de rugidos, de madeiras brigando e esperneando. Tudo se ouve. Um labirinto: sofá, boa noite, escreva-me um email antes que eu caía do penhasco de nossa inevitavelmente duvidável existência.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

de estradas e rios

Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou

Depois de uma tal longa viagem, de uma visita saborosamente confortável, uma ida a Sarajevo e outra a Dubrovnik, me pareceu hora de capotar numa nova cama. Wakey será, pensei comigo mesmo quando me levantava de súbito antes do meu último jantar como residente de Musala. Não faltava quase nada para levar, então me pareceu deixar o vazio a caminho de outro. Sair pela porta de Musala foi um ato tão cotidiano, mas de repente com um peso brutal. Não conseguia entender o porquê de essa situação me deixar tão emotiva e tocada, mas ali estava eu com um sensação de vazio e de ansiedade ao mesmo tempo.
It was about time. Deixei pra trás não só memórias do meu ano anterior, que de repente pareciam se desvairar na minha frente, como fantasmas se despedindo numa triste dança de um baile que durou mais tempo do que deveria. Mas deixei pra trás três mosqueteiros de um filme de comédia, drama, romance; uma peça em dois atos, sem luzes, sem cenário.
Improviso meu breve futuro - quase terminado -, com uma sensação de um soldado que abandona a batalha. Uma pobre pacifista perdida em seus próprios pútridos ideais. Sem motivo algum, me voy com todos os motivos que existem. Solidão precisa que me invade num taxi a caminho de Sušac, num desespero controlável de pular e voltar correndo. Been talkin' 'bout the way things change. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

nárnia de lápis e branquinho

Quando descíamos do ônibus, finalmente em Mostar, Gui me dizia estar com inveja, porque eu estava em casa. Eu estava em casa. Aquilo parecia ecoar na minha cabeça de uma forma descontrolada. Eu respirava aquele ar e parecia o mesmo que sempre fora, mas também não parecia diferente do resto dos ares. E, de repente, eu via aquelas casas que sempre reconheci como gregas, o mercadinho com nome de uma amiga, a esquina doce e todas aquelas pequenas coisas... Tudo era tão familiar. Mas era quase como se eu soubesse que já havia estado ali em um sonho... Mas estava descobrindo tudo de novo. E ao mesmo tempo, eu sabia o caminho, eu sabia o que era aquele lugar. A rua do lixo. E ali estava, com um abraço de uma garota com um cachecol da Grifinória e levando minha irmã, Gui e Digão para dormir na 'casa da mafia'. Eu estava em casa? Parecia que sim. Aqueles rostos familiares. E depois simplesmente vagava por Mostar inteira e ela parecia tão pequena, como se bastasse alguns passos para alcançar Susac, outros poucos passos até Aleksa, a escola, a ponte velha. O rio estava tão baixo! A arquibancada estava ali na minha frente e aquilo não era nada natural para Janeiro. Que diabos, é Janeiro! Não é em Maio que me formo??  E eu queria dormir naquela noite quando me despedi dos três - e era a primeira noite em um bom tempo que eu dormia em um quarto diferente -, mas tive que tirar o lixo do segundo andar e não consegui evitar passar quase uma hora na sala de música ouvindo o artista tocar. E aquela cama! Que diabos, só colchão. Minha mesa completamente vazia, sem pó, sem papel. Quis encher tudo de vida, despejei lembranças da viagem: papeis, passagens, cupons, entradas de museu. Deitei na cama com Cícero e sua Pipa e dormi.
Acordei com a mesma sensação. Estava em casa. Mas não. Acordei pra dentro de um sonho que eu já tinha vivido? Por que diabos fico sonhando a mesma coisa? Será que é meu inconsciente tentando me dizer algo? Custou para que eu conseguisse levantar - o que não me é natural - e me aventurar pelos corredores vazios, pra dentro do banheiro gelado. Cambaleei até a escola, com uma mochila absurdamente leve - em comparação com a dos dias anteriores - e o Winner entre as mãos. A caminho do que estava eu? Aulas bizarras. Mas era bom - era? - estar de volta. Não, que confusão. E alguém pulou em mim no corredor! Ah, um garoto com suas bochechas inchadas. Pera, eu o conheço. Mas quem é ele? Reconheço, sei seu nome. Ele percebe que estou me sentindo perdida, ri de mim.
E ali no almoço. A notícia é anunciada em claro e bom som. E estou feliz, mas confusa, atordoada, incerta. Elissavet anuncia que me mudo essa semana pra Susac, pra morar com ela. Ninguém sabia. Alguns aplaudem, outros vaiam pedindo que eu fique em Musala. Há, então, pessoas chateadas comigo pela minha repentina e inesperada mudança - algumas verdadeiramente, outras não - e eu, cafusa.
E um dia muito estranho continua, com sistemas reprodutivos na aula de biologia, conversas um tanto quanto esquisitas nos corredores, uma carta de uma segundo ano. Depois daquele longo dia, com treino e outras diversas caminhadas para Palacinka Bar, Hemingway's e Old Man's, eu queria capotar na minha cama. Mas me deparei com Christina na entrada de Musala e senti o primeiro choque de realidade com a minha mudança. Não estar na mesma residência que Christina me parece um absurdo. E subimos juntas até o segundo andar - embora ela quase tenha ficado no primeiro, como se estivéssemos ainda em nossos antigos quartos. Paramos na escada. Conversamos por horas. Passaram Amber, Anita, Marta, Ljubica e outros que vinham e iam de nossas conversas. Infindáveis, deliciosas, prazerosas, reflexivas. É assim que vejo Christina. E de repente ouço Tamar me mandando ir dormir num tom zombador, do andar debaixo. Desço e nos sentamos no corredor, em frente ao seu quarto, por horas. Não há pausa na linha de pensamento louca que nossas conversas seguem. Por que diabos acabamos nesse assunto?! E tentamos voltar atrás, mas nossas memórias ruins nos impedem. Ouvimos a chuva forte do lado de fora, mas não paramos. Até que nossos bocejos se tornam exageradamente irritantes e dou boa noite, me desculpando mais uma vez por abrir mão dessas nossas noites.
E que diabos foi esse dia? Entrar em Musala foi como entrar em Nárnia; num mundo de criaturas mágicas, coloridas, místicas. E o mundo lá fora trovejando. E aquele sentimento de não estar em casa que tive pela manhã foi substituído por aquele cansaço - meu velho conhecido - dos dias intensos da vida que eu tenho a maldita e bendita sorte de ter. Que sejam longos os seus dias também. E espero que este texto faça sentido, qualquer que ele seja.

domingo, 12 de janeiro de 2014

medo de deixar por fazer

Um mês atrás, quando eu finalmente começava a pensar nas minhas college applications, uma frase pulou na minha cabeça e ela não desgrudava. Eu dormia e ela ainda estava ali quando eu acordava. Tão catchy. E ela não me parecia certa, nem apropriada. Me parecia brega demais pra definir quem sou. What defines me as an artist is what defines me as a traveller; eu dormia, pensava, comia, olhava pela janela. Naquela longa viagem que sempre me dura poucas horas de sono e muitas horas de Caetano, Lenine, Maria Rita, Calle 13.
Por mais que a frase me pareça quase que insuficiente (como colocar esses dois assuntos juntos de tão forma tão concisa e simplificada?), há algo de tão verdadeiro nela. E é essa sede que eu tenho quando olho pela janela; essa vontade de tocar e ver tudo, de não querer pregar os olhos pra não perder nada da vista. Se sou artista? Bom, o que diabos é ser isso. Carregamos - todos - essa alma de poeta perdido no mundo (como era mesmo aquela frase estampada nos muros de Viena?), buscando algo impreciso, perdido nas palavras da nossa própria loucura. E vagamos. Vagamos por vagões acesos e bancos apertados, sem saber o que buscar. Mas, na verdade, sem saber o que achar.
Quando viajamos, vivemos as três necessidades básicas na pele, enquanto temos que buscar atendê-las, respeitar nosso próprio corpo. Como Zórbas diria, nosso corpo é nosso burrinho; se não o alimentamos, ele vai nos deixar no meio caminho. Comer, dormir e beber. Mas se fosse só isso, por que viajaríamos? E há aí uma pergunta que eu não sei responder, não sei generalizar. Só sei por que eu viajo. E sei por que sou essa poeta vagante e inusitada. Porque quero ver, tocar, sentir. Aquele vento que sopra diferente em cada lugar. Aquela energia que prédios emanam, que bares emanam, que pedestres emanam, que bondes emanam. As cores que estão nas calles, nos telhados das casas, na faixada dos prédios, nos rios, nos castelos e na fumaça da nossa imaginação. Porque somos esse pedacinho tão pequeno de nada, no meio do nada, sem nada. Somos viajantes eternos. Não importa se entre países, entre estações de metrô, entre bares, entre salas de aula. Somos seres andantes, andando em direção ao desconhecido ou ao conhecido, dependendo da nossa coragem, do nosso poder de fazê-lo. Mas estamos sempre muito longe de achar o que procuramos nessas viagens. E que, talvez, não seja nada mesmo. Nada, porém o nada. O Nada dentro de nós que botamos pra fora e pra dentro de novo. Ar.

sábado, 4 de janeiro de 2014

a casa caiu debaixo do telhado

Embora não faça nem dez dias desde que postei aqui da última vez, me parece que fazem anos. Me parece que deixei Mostar naquela van, ao lado de Chiara, há muito, muito tempo. A memória de estar deitada na cama de Marta, distraída com seus livros enquanto ela finalizava sua mala, me parece distante; quase como se não tivesse acontecido.
Desde a última vez que postei no blog, terminei minha monografia - Extended Essay. Embora tenha sido um alívio, de alguma forma me doeu saber que não haverá mais mergulhos em pesquisas sobre a música popular e sobre Tropicália. Na noite de Natal, enviei-a. Como uma nota de uma partitura, ela ficou pra trás enquanto outras vinham. E aí estava eu sentada dias mais tarde, no aeroporto de Amsterdam, depois de uma confusão quanto ao horário do voo, terminando minhas college applications. E me sinto outra pessoa depois de tê-las mandado. É ridículo, mas agora penso que está tudo na mão dessa coisa inexistente chamada destino e que não cabe mais a mim. Fiz o que fiz e agora foi. 
Desde a última vez que postei no blog, visitei três países diferentes, conheci pessoas diferentes, vi prédios arquitetônicos surrealmente belos. E passei um ano novo frio. O ano novo caótico de Berlim, em que as luzes e os sons dos fogos não estão distantes: estão ali, na sua cara, no seu pé. Você quer correr. Piadinhas sobre saudades das guerras. Não, basta tentar se esgueirar pela multidão na ponte. E como o tempo é bizarro! No ano anterior, pensava, estava em Ilhabela, na beira da praia com queridos amigos e aqui estou, em Berlim, em frente a trilhos de trem, com medo de fogos de artifício e com o gosto de Bailey's na boca. Essa idiota divisão de tempo que nunca me fez muito sentido; e nesse hemisfério oposto, me parece ter menos sentido ainda.
Mas aí pensei sobre o que passou. 2013 foi o ano mais intenso da minha vida. Mas não quero prolongar essa baboseira, porque pra mim basta pensar em Mostar, em relembrar meus segundos anos e lembrar meus primeiros. E claro, a esses co-years incríveis basta um sorriso, porque nada mais pode ser expressado. E não posso nem sequer expressar meu ano em fotografias, porque me parece que apareci em muitas poucas delas. Onde estive esse ano? Mas afinal, palavras e essas lembranças em minha mente me parecem muito mais válidas e encantadoramente duvidosas que esse retângulo colorido e preto-e-branco que produzo, mas não faço parte.
O cansaço não me permite pensar direito e reto. Penso meio torto, meio sem rumo, meio sem jeito. Assim como eu mesma nesse momento. Presa em um limbo diferente; um limbo de viajante, de alguém que carrega a mochila nas costas e tem sede de história, de conhecimento. E que esse cansaço dure muito esse ano, porque ele parece me trazer uma satisfação incontestável.
E que esses encontros fora de Mostar com pessoas de dentro de Mostar sejam eternos, suaves, tranquilos e prazerosos. Essa prévia me trouxe alegria, mas me trouxe uma aflição unicamente desesperadora. E aquela promessa de ano novo - embora eu as odeie - se esconde debaixo do meu travesseiro quando me ponho pra dormir.

"Hay personas que piensan diferente. Mi amigo, por ejemplo. Tu eres una de estas personas. Me encantó conocerte."