sexta-feira, 18 de abril de 2014

sobre a sorte e a maré

Sujeito de sorte aquele que se senta em um café expirando o fermento das pinturas nas paredes. O passarinho canta como o relógio de parede de sua infância enquanto vê o tempo se esgotar. ¿Por que te vas? Morangos, perdizes, baratas pela manhã.

Dois anos atrás, numa aula de matemática, o telefone tocou sem explicação nenhuma. Um número desconhecido. Dois anos depois, o agora; esse agora em que o aniversário de uma colega de quarto traz grandes amigos pra dentro da madrugada, folheando um grande livro.

Sujeito de sorte que recebe lenços de um garçom atencioso quando se está a chorar ou é resgatado por amigos por ter adormecido dentro do banheiro. Meus pequenos.

Sujeito de sorte aquele que ouve o vento uivar a um vidro de distância e que joga açucar sobre o pires. Aquele que pode abraçar e ver. Ver, acima de tudo.

Ver, sentir, cheirar. Aquele cheiro diferente de cada pessoa com quem adormece; noites diferentes, quartos diferentes numa mesma residência.

Sujeito de sorte que tem um apoio materno e paterno à distância. Aquele que se isola numa ilha (desconhecida?) para se envergar sobre livros e escritos. Aquele que caminha pelas ruas no meio do asfalto, ignorando a existência da plena e vazia calçada. Buzinas agudas.

Numa tarde num bar depois do último dia de aula, engolindo rakija com um nó na garganta, nos levantamos para um improviso. Virei profissional na arte de improvisar a vida. Talvez por isso não ache que seja mera sorte viver nessa cidade, estar cercada por essas pessoas. Presa numa maré.

Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro

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