domingo, 13 de abril de 2014

a cor da capa

Vi o taxi ir embora no horizonte e parei por um instante para vestir minha jaqueta. Larguei minha mochila no chão e foi quando me deparei com aquele prédio ao meu lado. Esquecido e sozinho. Sem cultura, sem moral. Bez kulture, bez morala. Deixei a mochila pra trás e fui me sentar naqueles degraus.

Voltei a pensar na mesma faixa amarela algumas horas depois. I'll be returning on April 12. Ruínas. Tão abandonadas e esquecidas quanto cegos em um asilo. E que se misturam em tantas metáforas e nos fazem perguntar o significado de coisas maiores e inexplicáveis. Buscamos conforto no explicável e no existente, às vezes nos esquecendo que o que há de mais bonito é o que não podemos comunicar. Como a paixão por algo; uma paixão tão profunda quanto a de escrever ou tão profunda quanto o colossal buraco criado entre blocos de pedra. Cavados com uma pá - por cegos.

Gosto como a literatura na qual eu me imirjo me torna tão sensível à diferença entre o universo tangível e o universo da arte. Esse universo que é algo tão intocável e incompreendido quanto a arte contemporânea - o que me leva a pensar em uma conversa no meio do planeta terra. O que me parece um tanto quanto redundante.

Mas foi entre sushis e pães de uma padaria francesa que eu vi aquela brancura. Talvez não a mesma, mas gosto de pensar que era a mesma brancura da cegueira de Saramago. Não vi nada, pra falar a verdade. Talvez nem tudo tenha que ter um significado para todos nós.

E talvez devêssemos pensar mais sobre as semelhanças entre o mundo da cegueira de Saramago e o mundo tangível e explicável. Porque elas existem. E são muitas. Quem somos nós se não seres cegados pelo nosso próprio individualismo, criticismo e egoísmo? Talvez sejamos realmente essa massa: metade indiferença, metade ruindade.

Dois anos atrás, numa aula de filosofia, capturei algumas palavras de um documentário que assistíamos, escrevi-as num caderno de capa preta com a intenção de as fossilizar em minha própria caligrafia.  E agora trago-as de volta com a intenção de melhor compreendê-las.

A realidade real não existe. É sempre um olhar condicionado. Cada experiência de olhar é um limite, não conhecemos as coisas como elas são; só mediadas pela nossa experiência. O olhar é uma interpretação, está sempre mediado pelos nossos conceitos, nossos valores.
Paulo Cezar Lopes

Crescemos e mudamos a cor da capa. Deixamos ruínas como cidade arqueológicas dentro de nossos mochilas, largadas no asfalto de uma rua em plena Sarajevo.

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