quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

nárnia de lápis e branquinho

Quando descíamos do ônibus, finalmente em Mostar, Gui me dizia estar com inveja, porque eu estava em casa. Eu estava em casa. Aquilo parecia ecoar na minha cabeça de uma forma descontrolada. Eu respirava aquele ar e parecia o mesmo que sempre fora, mas também não parecia diferente do resto dos ares. E, de repente, eu via aquelas casas que sempre reconheci como gregas, o mercadinho com nome de uma amiga, a esquina doce e todas aquelas pequenas coisas... Tudo era tão familiar. Mas era quase como se eu soubesse que já havia estado ali em um sonho... Mas estava descobrindo tudo de novo. E ao mesmo tempo, eu sabia o caminho, eu sabia o que era aquele lugar. A rua do lixo. E ali estava, com um abraço de uma garota com um cachecol da Grifinória e levando minha irmã, Gui e Digão para dormir na 'casa da mafia'. Eu estava em casa? Parecia que sim. Aqueles rostos familiares. E depois simplesmente vagava por Mostar inteira e ela parecia tão pequena, como se bastasse alguns passos para alcançar Susac, outros poucos passos até Aleksa, a escola, a ponte velha. O rio estava tão baixo! A arquibancada estava ali na minha frente e aquilo não era nada natural para Janeiro. Que diabos, é Janeiro! Não é em Maio que me formo??  E eu queria dormir naquela noite quando me despedi dos três - e era a primeira noite em um bom tempo que eu dormia em um quarto diferente -, mas tive que tirar o lixo do segundo andar e não consegui evitar passar quase uma hora na sala de música ouvindo o artista tocar. E aquela cama! Que diabos, só colchão. Minha mesa completamente vazia, sem pó, sem papel. Quis encher tudo de vida, despejei lembranças da viagem: papeis, passagens, cupons, entradas de museu. Deitei na cama com Cícero e sua Pipa e dormi.
Acordei com a mesma sensação. Estava em casa. Mas não. Acordei pra dentro de um sonho que eu já tinha vivido? Por que diabos fico sonhando a mesma coisa? Será que é meu inconsciente tentando me dizer algo? Custou para que eu conseguisse levantar - o que não me é natural - e me aventurar pelos corredores vazios, pra dentro do banheiro gelado. Cambaleei até a escola, com uma mochila absurdamente leve - em comparação com a dos dias anteriores - e o Winner entre as mãos. A caminho do que estava eu? Aulas bizarras. Mas era bom - era? - estar de volta. Não, que confusão. E alguém pulou em mim no corredor! Ah, um garoto com suas bochechas inchadas. Pera, eu o conheço. Mas quem é ele? Reconheço, sei seu nome. Ele percebe que estou me sentindo perdida, ri de mim.
E ali no almoço. A notícia é anunciada em claro e bom som. E estou feliz, mas confusa, atordoada, incerta. Elissavet anuncia que me mudo essa semana pra Susac, pra morar com ela. Ninguém sabia. Alguns aplaudem, outros vaiam pedindo que eu fique em Musala. Há, então, pessoas chateadas comigo pela minha repentina e inesperada mudança - algumas verdadeiramente, outras não - e eu, cafusa.
E um dia muito estranho continua, com sistemas reprodutivos na aula de biologia, conversas um tanto quanto esquisitas nos corredores, uma carta de uma segundo ano. Depois daquele longo dia, com treino e outras diversas caminhadas para Palacinka Bar, Hemingway's e Old Man's, eu queria capotar na minha cama. Mas me deparei com Christina na entrada de Musala e senti o primeiro choque de realidade com a minha mudança. Não estar na mesma residência que Christina me parece um absurdo. E subimos juntas até o segundo andar - embora ela quase tenha ficado no primeiro, como se estivéssemos ainda em nossos antigos quartos. Paramos na escada. Conversamos por horas. Passaram Amber, Anita, Marta, Ljubica e outros que vinham e iam de nossas conversas. Infindáveis, deliciosas, prazerosas, reflexivas. É assim que vejo Christina. E de repente ouço Tamar me mandando ir dormir num tom zombador, do andar debaixo. Desço e nos sentamos no corredor, em frente ao seu quarto, por horas. Não há pausa na linha de pensamento louca que nossas conversas seguem. Por que diabos acabamos nesse assunto?! E tentamos voltar atrás, mas nossas memórias ruins nos impedem. Ouvimos a chuva forte do lado de fora, mas não paramos. Até que nossos bocejos se tornam exageradamente irritantes e dou boa noite, me desculpando mais uma vez por abrir mão dessas nossas noites.
E que diabos foi esse dia? Entrar em Musala foi como entrar em Nárnia; num mundo de criaturas mágicas, coloridas, místicas. E o mundo lá fora trovejando. E aquele sentimento de não estar em casa que tive pela manhã foi substituído por aquele cansaço - meu velho conhecido - dos dias intensos da vida que eu tenho a maldita e bendita sorte de ter. Que sejam longos os seus dias também. E espero que este texto faça sentido, qualquer que ele seja.

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