Dias de vício. Dias em que a noite nos foi muito mais importante que o dia, em algum canto do bairro do Godoy. "Não existe tempo aqui". Ora era música ao vivo pelos cinco músicos, ora era jazz, blues, mpb, rock tocando naquele pequenino amplificador do baixo. Pinturas feitas na noite anterior sempre se deitavam pela casa inteira e eu percebia isso quando levantava da cama às 15h, caminhando de olhos quase fechados pra cozinha. Sentados em volta da fogueira, sentíamos o arder dos olhos com a fumaça nos envolvendo. Ouvimos
Transa uma, duas, três vezes. Demos risadas de textos musicalizados de formas bregas.
A uvaaaaaaaaaa, a uuvaaaaaaa... Ao Rodriiiiigooooo, ao Rodriiiiigooooooo... Sentamos na estrada, com cobertores, para assistir ao nascer do sol. Falamos com voz de Google Tradutor enquanto jogávamos um jogo de cartas; jogamos truco, buraco, mao. Comemos churrasco, fondue, cachorro quente, batata com maminha. Ganhamos do barranco: não caímos nenhuma vez nas subidas à Casa Alta.
Nenhum de nós queria ir embora, e até os menos sentimentalistas admitiam isso. Vivíamos nossa própria anarquia. Talvez inspirada por Caetano, notei que estamos ainda muito presos a traumas adolescentes, produzindo coisas não tão profundas. Mesmo assim, quando olhei em volta, eu não vi Oswald, Vera e Santa; eu vi
FAU, FFLCH, ECA... Havíamos crescido - talvez mesmo sem perceber. Concordamos odiar conclusões. Odiamos a necessidade que existe de um final clichê, daquela moral... Por isso terminarei por aqui: sem conclusões, sem clichês, sem morais. Gosto dessa falta de tempo e daquelas
coisas perdidas.
Alguém já disse que os homens que fixam seu espírito nos temas enfrentados na infância produzem obras profundas, enquanto os que repetem indefinidamente as questões e ilusões da adolescência estão fadados a girar nessa zona periférica em que se discute repressão, definição sexual e satisfação de anseios de liberdade. Eu me situo no segundo grupo.
Caetano Veloso
Fotos por Laila Kontic
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