quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Shakespeare no porão

Quatro horas. Não são tique-taques, são olhares incessantes direcionados para o canto direito da tela do computador. O porão não os permite saber que horas são, ou se ainda há sol do lado de fora. Thou, ele grita. A voz profunda e sedutora. Outra calma, macia, quase sustentável no clima pesado e cansado. Ay, my lord. Alguns desesperados abrem a ferramenta de tradução de um site de pesquisa e digitam mecanicamente todas as milhões de palavras que não parecem ser em Inglês. Nay, nem mesmo o falante nativo consegue ler de forma apropriada. A diretora não consegue segurar o russo. O russo usa casaco, mas a brasileira não. Será frio? Uma pulseira do Bomfim cai depois de dois anos e o que resta é um pedaço de pano torcido e enfiado dentro de um bolso de uns jeans.
Uma mesa comprida, outra redonda. Cadeiras espalhadas ao redor, fios de carregadores esticados pela sala, tentando alcançar dois buraquinhos longínquos. Um pacote rasgado e murcho de deliciosas waffles de chocolate. Um cheiro liberado a cada meia hora que exala pelo cômodo e todos os olhares se voltam para o objeto quando o som soa. Uma garrafa vazia de Coca-Cola zero deitada sobre a mesa - tão cansada quanto os seres humanos na sala. Frustração. Confusão.
[falls and dies]
Apitos de computadores confusos - como o final de uma vida. Uma insistente fala e uma réplica um tanto quanto rude. Uma atmosfera pesada que sobrevoa cabeças e pensamentos. Querem fazer isso ou não? Nem sabem. Nem querem saber. Batatas-fritas que foram esperadas por quarenta e cinco minutos e que são deixadas sobre um prato deixado sobre a mesa. Errado, errado.
Foram tantos atrasos. Será que foi tão importante assim? E-mails impacientes e irritados “Deveria ter me avisado antes de ter ido”.
Mas Shakespeare não espera. Shakespeare não espera estudantes estudarem; não espera estudantes incomodados discutirem os problemas; não espera que consigam; não espera que façam isso direito. E dois atores não aparecem. Polonius e Rainha, onde vocês se esconderam? Talvez devam desistir. E são tantos projetos independentes que a diretora não pode depender dos atores.

Um comentário:

Isabel disse...

pra quem falou que tem lapsos de memoria de como escrever as coisas em portugues, voce tá escrevendo MARAVILHOSAMENTE bem