segunda-feira, 26 de agosto de 2013
de onde vem a calma
Parecia que ia chover, mas resolvi enfrentar aquela ausência dentro de mim, colocar algo nos pés e fugir daquela prisão que era minha cama, na qual eu tinha me colocado na tarde anterior. Comecei a correr na Ponte de Tito e continuei meio sem destino, admirando as ruas de Mostar num ritmo muito meu e muito único. Subi pela rua de Beck's e acabei virando na rua de Jump Jump. Quando me dei conta, estava passando por uma igreja à minha direita e logo depois acabei me deparando com a entrada de uma rua muito conhecida, com um hotel de um lado e uma mesquita do outro. Parei; sorri. Me pareceu engraçado que eu tivesse me deparado naquele lugar, com uma saudade grande no peito e um entender não-entender dessa solidão grupal que vivemos. Continuei minha corrida como se estivesse enfrentando todo o verão a partir do lugar em que ele tinha começado. Passei por uma rua desconhecida e entendi muita coisa naquela minha jornada engraçada, cedo pela manhã. Quando cheguei em Musala, me deparei com um grupo de primeiros anos e sorri, limpando o suor da minha testa, recebendo-os em sua casa, desejando um bom dia, cheia de esperança pra um dia muito melhor que o anterior.
sábado, 24 de agosto de 2013
'we're gonna make this place your home'
Não sei com quais palavras começar esse post. Só sei que me parece que meses se passaram desde que vi os primeiros anos entrando pela porta de Musala, com suas gigantescas malas e suas caras assustadas, com aflição de errar o inglês, de falar besteira... Tentei ao máximo - ou melhor, tentamos ao máximo - pra fazer com que eles se sentissem em casa, pra que entendessem as regras da convivência nas residências, pra que fizessem amigos. Quando sentei na estação de ônibus para aguardar a chegada de Lucas (meu querido primeiro ano), minha mente se perdeu em tantas ideias e sensações... Aquele ano doido que estava prestes a começar parecia perdido em algum lugar no topo das montanhas e eu não conseguia avistá-lo. Não conseguia dizer como seria morar na mesma residência, mas sem minhas queridas Bo, Markéta e Bengisu... Não conseguia dizer como seria ser uma segundo ano; ter que parecer tão responsável - e ser responsável em relação à escola -, ter que cuidar dos primeiros anos. Me parecia muito abstrato, surreal. Não senti uma dor de saudade dos meus segundos anos, embora me parecesse pouco provável que eles não apareceriam na frente de Musala antes do check-in pra bater papo e dar risadas escandalosas. O ônibus de Lucas estava atrasado e eu não conseguia parar de olhar o relógio no meu pulso. Toda vez que um ônibus estacionava na estação, eu corria até ele esperando que meu primeiro ano pisasse no chão de Mostar, tendo que abaixar a cabeça pra passar pela porta do ônibus. Foi só uma hora depois do previsto que isso realmente aconteceu e ele me parecia completamente destruído depois de 24h de viagem de Frankfurt até Mostar.
Agora eu não tenho palavras pra descrever o quão extraordinário tudo tem sido. Os primeiros anos são absolutamente maravilhosos e incríveis. A cada segundo, eu me impressiono mais e mais com o potencial deles, com tantos talentos, com tanto humor. É lindo! É maravilhoso poder ser uma segundo ano, passar de quarto em quarto depois do check-in pra ter certeza de que estão todos bem, de que ninguém está homesick.
Nossa Opening Ceremony foi absolutamente incrível. Passamos o dia todo organizando, planejando os esquetes, ensaiando as canções, pendurando as bandeiras em Abrasevic. O resultado foi maravilhoso. Valentina, nossa diretora, disse que foi a melhor Opening Ceremony que esse colégio já viu. Devo dizer que isso se deve aos talentos de Uri (Israel), Ogi (Macedonia), Markéta (República Tcheca), Elissavet (Grécia) e Christina (Austria) - entre outros - que arrasaram com seus talentos musicais. De certa forma, acho que a Opening Ceremony serviu mais para unir nossa geração do que pra receber nossos primeiros anos: senti que amamos demais aquilo; mais do que os primeiros anos. Percebi o quão particular nossa geração é depois que Teo (BiH) veio se desculpar por ter gritado comigo durante os ensaios; percebi que somos co-anos capazes de pedir desculpas sinceras, capazes de perceber nossos erros - algo que nossos segundos anos não eram capazes de fazer.
Estou amando cada segundo dessa semana. Nossa viagem para Blagaj ontem foi deliciosa! Minhas caminhadas para Susac com Yaara (Israel) têm sido deliciosas. Meus primeiros anos adotivos, Simon (Bélgica, nascido na Bolívia), Noam (Israel, cujos pais são chilenos) e Neva (Croácia, adotada por motivos especiais), são uns amores; gosto mais e mais de todos esses queridos primeiros anos a cada dia e tenho que agradecer por ter o melhores co-anos do universo.
Agora eu não tenho palavras pra descrever o quão extraordinário tudo tem sido. Os primeiros anos são absolutamente maravilhosos e incríveis. A cada segundo, eu me impressiono mais e mais com o potencial deles, com tantos talentos, com tanto humor. É lindo! É maravilhoso poder ser uma segundo ano, passar de quarto em quarto depois do check-in pra ter certeza de que estão todos bem, de que ninguém está homesick.
Nossa Opening Ceremony foi absolutamente incrível. Passamos o dia todo organizando, planejando os esquetes, ensaiando as canções, pendurando as bandeiras em Abrasevic. O resultado foi maravilhoso. Valentina, nossa diretora, disse que foi a melhor Opening Ceremony que esse colégio já viu. Devo dizer que isso se deve aos talentos de Uri (Israel), Ogi (Macedonia), Markéta (República Tcheca), Elissavet (Grécia) e Christina (Austria) - entre outros - que arrasaram com seus talentos musicais. De certa forma, acho que a Opening Ceremony serviu mais para unir nossa geração do que pra receber nossos primeiros anos: senti que amamos demais aquilo; mais do que os primeiros anos. Percebi o quão particular nossa geração é depois que Teo (BiH) veio se desculpar por ter gritado comigo durante os ensaios; percebi que somos co-anos capazes de pedir desculpas sinceras, capazes de perceber nossos erros - algo que nossos segundos anos não eram capazes de fazer.
Estou amando cada segundo dessa semana. Nossa viagem para Blagaj ontem foi deliciosa! Minhas caminhadas para Susac com Yaara (Israel) têm sido deliciosas. Meus primeiros anos adotivos, Simon (Bélgica, nascido na Bolívia), Noam (Israel, cujos pais são chilenos) e Neva (Croácia, adotada por motivos especiais), são uns amores; gosto mais e mais de todos esses queridos primeiros anos a cada dia e tenho que agradecer por ter o melhores co-anos do universo.
Kamate na Opening Ceremony (foto por Sindre Langmoen)
Love Generation pronta pro primeiro Kamate do ano (foto por Sjur Hamre)
Tocando We're Gonna be Friends com Markéta
e Bo na OC (foto por Sindre Langmoen)
Lukas (Alemanha) durante nossos Water Games (foto por moi)
Mevludin (BiH) (foto por moi)
Lucas (Brasiiil!) durante os Water Games (foto por moi)
domingo, 18 de agosto de 2013
you ain't never going to shake this sense of sadness
Foi bom rever meus co-anos. Pouquíssimos chegaram, pra falar a verdade; mas cada abraço que eu dei foi delicioso, foi uma alegria só. Mas não me pareceu o que eu achei que seria. Não foi um entusiasmado olá, de tanta ansiedade pra chegada dos primeiros anos e dos co-anos. Muito pelo contrário. Me pareceu como se estivéssemos todos aqui, nunca tivéssemos ido embora e, as pessoas que ainda não chegaram, só foram embora por um final de semana muito curtinho. Os primeiros co-anos com quem eu sentei e conversei me deixaram emocionada. Não só porque eu, Sarah (França/Alemanha), Chloe (Reino Unido) e Erika (EUA) sentamos na varanda que costumava ser Bo's (onde passei muito tempo do meu primeiro ano), mas porque parecia tão... bonito. Com aquela vista da mesquita e da cruz do topo da montanha, tudo parecia surreal. Mas aí fomos dormir e quando eu acordei, a rotina de Mostar estava de volta. Quando encontrei Mario (Espanha) pela manhã, quando corri pra Susac pra encontrá-lo (embora tenha feito o mesmo na noite anterior, mas ele não tinha pegado o ônibus...), abracei ele e de repente foi tão 'chato', tão banal, tão dia-a-dia. Nem foi como se tivéssemos ficado todo esse tempo sem se ver. Ainda mais quando nos sentamos em Del Rio juntos, agradecendo pelo ar condicionado e conversando sobre coisas de Mario e Sofia... Até ter um jantar com Bo, Markéta e a família de Markéta foi tão natural... Depois caminhar pra Old Man's juntas, encontrar co-anos (e até se deparar com uma segundo ano!)... Tão comum, tão natural, tão usual... Não é o big deal que todos fazem; especialmente porque o único momento em que eu realmente tive tempo de sentir falta de segundos anos foi quando me encontrei abrindo a caixa que Celia (Espanha) deixou pra mim, ler sua carta... e também achar o cumbuca amarela que Liza (EUA) deixou pra mim e o ursinho de pelúcia que Colleen (EUA) deixou pra mim. Mas o cansaço de tentar arrumar meu quarto e poder curtir tempo com meus co-anos e ainda tentar ajudar Maja (a house mom de Susac) a organizar a residência simplesmente me impossibilitou de pensar em qualquer coisa que não fosse... nada... e tudo ao mesmo tempo. Pelo menos, agora não estou sozinha no quarto, já que Amina chegou hoje.
sábado, 17 de agosto de 2013
quase esqueci, quase fui, quase serei
Comia stroopwafels no trem. Empurrava o balanço de uma garotinha de Martinica que insistia em falar francês comigo, mesmo sabendo que eu não a entendia. Depois tive a viagem mais longa da minha vida, em que senti as olheiras debaixo dos meus olhos crescendo, se tornando mais e mais escuras, profundas enquanto as horas passavam e eu não comia, nem dormia, nem descansava. Ônibus, trem, museus maravilhosos (Anne Frank, Foam e Amsterdam Museum), trem, horas e horas nas poltronas pretas de Schiphol sem conseguir pregar os olhos (assim como o homem que tentava dormir nas poltronas à minha frente e demos risada um pro outro quando fomos acordados pela quarta vez em menos de meia hora), avião, avião, taxi, ônibus... Dois dias muito, muito longos de viagem que não me possibilitaram descansar, nem pensar, nem ler o tanto quanto eu gostaria. Nem consegui explorar Amsterdam tanto quanto eu queria, pois minhas costas, meus pés, meus joelhos, meus ombros me imploravam que eu parasse de ser tão... imprevisivelmente apreciadora. Me falta palavras agora... Pra descrever aquele cansaço, aquela dor nas costas que parecia que eu nunca superaria. E também aquela fome que não era mais fome enquanto eu devorava um sanduíche feito por Sarah e um saco de salgadinhos que me deixava enjoada, mas me ajudava a saciar aquela ausência estranha. Nunca tomei um avião tão terrível como aquele de Zagreb pra Sarajevo; minha poltrona era do lado da asa daquele mini avião cuja asa era na verdade algo que girava absurdamente rápido e produzia um barulho insuportável. Minha viagem de ônibus de Sarajevo pra Mostar foi fantástica; foi como se eu nunca tivesse passado por aquela estrada, visto aquelas casas todas furadas por marcas de bala; como se eu nunca tivesse ficado de queixo caído, espantada com a beleza do Rio Neretva que segue até Mostar. E toda vez que eu via uma placa sinalizando quantos quilômetros faltavam pra Mostar, eu abria um sorriso e, ao mesmo tempo, uma parte em mim gritava por socorro, desesperada, sem saber o que eu estava fazendo ali, chegando como uma segundo ano. Uma parte de mim gritava, desejando que aquela fosse realmente a primeira vez que eu tomava aquela estrada de Sarajevo pra Mostar e não a penúltima. Mas sem dramas: tentei me segurar, aguentar, enfrentar.
Quando pisei em Mostar, tentaram me oferecer hospedagem e eu dei risada. Óbvio que eu pareço uma mera turista perdida com meus 20 kg nas costas, minha mochila e a bolsa da minha câmera. Fui parar em Abrasevic com uma garota alemã da primeira geração do UWC Mostar, com quem cruzei em frente à Musala. Encontrei Valentina, a diretora do colégio, tomei um suco com as duas e fui encontrar Haimeng (China) na casa de Ljubica (professora de alemão), onde passaria duas noites. Queria ir pra cama logo, mas Valentina insistiu que fôssemos comer um cevapi. Fui dormir como se fosse a primeira vez em meses.
Acordei e não percebi que era Mostar. Aquele calor, aquele cama. Não sabia onde estava. Levantei e me dei conta... Sentei na mesa e passei o dia todo escrevendo minha monografia, tentando me concentrar. E fui finalmente convencida a largar a tentativa de concentração para encontrar Markéta em No Flash. Foi como se nunca tivéssemos deixado Mostar. Meu primeiro ano embarcou hoje, deixou a casa, a família, a namorada e Brasília. Me faz perceber.... tanto.
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
no peito dos desafinados
Quando Sarah dobrou a esquina e me encontrou ali, no meio da Place de l'Étoile, estava ali, sentada num banco de madeira, com a bolsa da minha câmera no meu colo, minha mochila ao meu lado e minha backpack na minha frente, assistindo as pessoas passarem naquela manhã nublada. Caminhamos por Strasbourg, embora meu mal humor não nos tenha deixado ir tão longe, já que o cansaço da viagem de ônibus, as três horas dormidas, os vinte quilos nas minhas costas e a falta de sol se uniram contra nosso passeio pela cidade. Visitamos o Museu da Alsace, o que nos fez perder o trem pro vilarejo de Sarah; tivemos que enrolar por mais duas horas pela cidade pra tomar o próximo trem. Isso nos rendeu um café enquanto nos escondíamos da chuva e tive a felicidade de ouvir João Gilberto tocando naquele pequeno lugar, numa esquina, em frente à Rue des Étudiants. Não consegui dormir o tão cedo quanto queria, por conta de milhões de mensagens e emails e de finalmente descobrir meu novo quarto e falar com minhas novas colegas de quarto (todas minhas co-anos, infelizmente, mas todas queridas).
Fui acordada bem cedo por Sarah. Nem fazia ideia de o quão agitado o dia seria. Pegamos bicicletas e pedalamos por Wissembourg. Passamos por três padarias diferentes, pra comprar coisas diferentes. Comprar baguetes, croissants, pretzels e outros tipos de pão que eu nem sei o nome. Uma experiência bem francesa. Tomamos um delicioso café da manhã que me fez pensar que eu não precisava e não iria mais comer no dia - estava muito errada. Dessa vez, pegamos só uma bicicleta: Sarah pedalando e eu sentada na frente, rindo muito de nervoso, de medo de cair. Fomos para uma casa não muito longe para cavalgar. Primeira vez que cavalguei sem cela, sobre um belo cavalo chamado Feeling. Sarah disse que eu e Feeling éramos muito parecidos: os dois "bronzeados" e morenos; dei risada. Voltamos pra casa e almoçamos (mais queijo!). Saímos de casa com as bicicletas pra encontrar um amigo dela, pra sair num tour fotográfico por Wissembourg. Terminamos o tour sentados numa pâtisserie caríssima - uma das melhores da França - comendo um doce maravilhoso que me custou os olhos da cara, mas valeu a pena. Fomos então pra uma crêperie, onde encontramos duas amigas - muito francesas - de Sarah e comemos galettes (farinha de trigo sarraceno!) muito boas, que acabaram com qualquer espaço que eu ainda tivesse no meu estômago. Pedalamos de volta pra casa; eu já cansadíssima. E aqui deixo uma descrição sucinta do meu tempo passado na Alsácia, um lugar incrível, nessa casa doida em que não há uma língua oficial. O pai de Sarah é alemão e a mãe de Sarah é francesa, mas ambos se conheceram na Inglaterra e a língua na qual eles só comunicam é inglês. No entanto, Sarah fala francês com a mãe e alemão com o pai. Tudo sobre a Alsácia é meio doido e incrível, me parece.
Fui acordada bem cedo por Sarah. Nem fazia ideia de o quão agitado o dia seria. Pegamos bicicletas e pedalamos por Wissembourg. Passamos por três padarias diferentes, pra comprar coisas diferentes. Comprar baguetes, croissants, pretzels e outros tipos de pão que eu nem sei o nome. Uma experiência bem francesa. Tomamos um delicioso café da manhã que me fez pensar que eu não precisava e não iria mais comer no dia - estava muito errada. Dessa vez, pegamos só uma bicicleta: Sarah pedalando e eu sentada na frente, rindo muito de nervoso, de medo de cair. Fomos para uma casa não muito longe para cavalgar. Primeira vez que cavalguei sem cela, sobre um belo cavalo chamado Feeling. Sarah disse que eu e Feeling éramos muito parecidos: os dois "bronzeados" e morenos; dei risada. Voltamos pra casa e almoçamos (mais queijo!). Saímos de casa com as bicicletas pra encontrar um amigo dela, pra sair num tour fotográfico por Wissembourg. Terminamos o tour sentados numa pâtisserie caríssima - uma das melhores da França - comendo um doce maravilhoso que me custou os olhos da cara, mas valeu a pena. Fomos então pra uma crêperie, onde encontramos duas amigas - muito francesas - de Sarah e comemos galettes (farinha de trigo sarraceno!) muito boas, que acabaram com qualquer espaço que eu ainda tivesse no meu estômago. Pedalamos de volta pra casa; eu já cansadíssima. E aqui deixo uma descrição sucinta do meu tempo passado na Alsácia, um lugar incrível, nessa casa doida em que não há uma língua oficial. O pai de Sarah é alemão e a mãe de Sarah é francesa, mas ambos se conheceram na Inglaterra e a língua na qual eles só comunicam é inglês. No entanto, Sarah fala francês com a mãe e alemão com o pai. Tudo sobre a Alsácia é meio doido e incrível, me parece.
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
um punhado de páginas de um caderno vermelho
Strasbourg, 6h46, quinta-feira, "drop-off and pick up square"
Depois de cair das escadas de um lugar qualquer e me encontrar passando muito frio, ensopada, debaixo da chuva constante do noroeste da Europa; caminhei pelo sudoeste do centro de Bruxelas, um lugar que me fez pensar em escravidão, em colonialismo, em exploração. "I felt so white", Amber me revelou algumas horas depois. Ela ficou nervosa com o "clima" daquela rua, como me disse, e eu dei risada daquele nervosismo dela de quem só anda em ruas tranquilas e extremamente seguras. Passávamos por lojas e feiras de frutas. Ninguém falava francês ou flamengo, falavam línguas que eu completamente desconheço. Me fez entender o que é imigração. Porque os negros belgas são negros puros. Não gosto do conceito "puridade" pelo seu valor pejorativo, herança do nazismo, fascismo e muitas coisas antes disso. Mas o que quero dizer com puro - e uso essa palavra aqui numa inocência muito grande - é que eles me parecem ter o sangue 100% africano, 100% negro. Venho de um território geográfico - o que costumamos chamar de país, mas ainda me falta entender o conceito do 'Brasil País' ou da 'Belíndia" - em que ninguém é imigrante e, também, ao mesmo tempo, todo somos (tirando os 0,5% da população que constitui os indígenas). Os negros brasileiros são uma mistura doida de tudo e mais um pouco - o que não os torna menos negros, não me entenda mal. E entendi um pouco mais da população brasileira, da inserção numa cultura que é uma mistura de todas. Mas ali, naquele país europeu minúsculo, vi homens, mulheres e crianças imigrantes, lutando pra se inserir naqueles idiomas locais, no modo de viver europeu. Naquela região da cidade, quanto tivemos que parar na calçada para aguardar o semáforo de pedestres, saquei a minha câmera para fotografar aquele lugar que me parecia quase que perdido no tempo-espaço; flagrei um homem à nossa esquerda assistindo-me colocar a câmera de volta na bolsa. Ele não foi discreto. E assim que o semáforo ficou verde - por que diabos falamos em português que o "semáforo abre"?! continuo acidentalmente traduzindo -, segurei Amber pelo braço e fiz questão de andar atrás do homem, que não parava de lançar olhares pra trás. Sentia o sangue ferver e subir meu corpo. Quem ele pensava que era pra sequer pensar em roubar a minha câmera?! Odiei aquele homem. Ele quis tomar de mim meu instrumento de arte - algo que já foi meu violão -, só isso. (...) Assim que atravessamos a rua, puxei Amber para o meio daquela confusão de barraquinhas de uma instalação de um parque de diversões, sem saber se aquela era uma sábia decisão ou não. Me enfiei num espaço entre cabos, caixas de papelão e lixo despejado, tentando enxergar o homem. Avistei-o ir embora, ainda olhando pra trás, nos procurando - procurando a minha câmera -, mas desistindo de armar algum tipo de emboscada. Não consegui respirar de alívio; só conseguia ter muito ódio. Tomamos um caminho alternativo e eu só fazia xingar aquele ser humano que quase tomou minha câmera. Talvez só uma hora depois meu sangue tenha esfriado, quando já havia acenado pra Amber partindo em seu trem de volta pra Ronse, enquanto me encontrava ali sozinha na plataforma 9 (10? 11? Nem lembro mais) da Bruxelles-Nord, abaixando minha pressão. (...) Naquela plataforma à minha frente, em que as pessoas se encontravam tão distantes umas das outras, imersas em seus próprios mundos, um grupo parecia mudar a atmosfera, dançando e rindo alto. E fui muito mais calma caminhando até a estação da Eurolines, onde me encontrei cercada por negros e uns poucos brancos europeus - "I felt so white", pensei. Uma briga acontecia ali fora, no meu campo de visão. Amber havia me avisado que aquela era uma parte mais perigosa da cidade. Esperei algumas horas e peguei um ônibus num estado de aflição de tudo aquilo, da escuridão, de uma língua que não falo, mas um pouco acalmada pelas reflexões de Caetano Veloso; quis muito encontrar Sarah logo para dar-lhe um longo abraço e me sentir segura. (...)
Agora me sinto cansada, mas sem fome - embora tenha tido minha última refeição ontem aproximadamente às 16h. Me sinto segura em Strasbourg, nessa praça onde os ônibus vem e vão, sentada num banco um pouco molhado e... aguardando.
Depois de cair das escadas de um lugar qualquer e me encontrar passando muito frio, ensopada, debaixo da chuva constante do noroeste da Europa; caminhei pelo sudoeste do centro de Bruxelas, um lugar que me fez pensar em escravidão, em colonialismo, em exploração. "I felt so white", Amber me revelou algumas horas depois. Ela ficou nervosa com o "clima" daquela rua, como me disse, e eu dei risada daquele nervosismo dela de quem só anda em ruas tranquilas e extremamente seguras. Passávamos por lojas e feiras de frutas. Ninguém falava francês ou flamengo, falavam línguas que eu completamente desconheço. Me fez entender o que é imigração. Porque os negros belgas são negros puros. Não gosto do conceito "puridade" pelo seu valor pejorativo, herança do nazismo, fascismo e muitas coisas antes disso. Mas o que quero dizer com puro - e uso essa palavra aqui numa inocência muito grande - é que eles me parecem ter o sangue 100% africano, 100% negro. Venho de um território geográfico - o que costumamos chamar de país, mas ainda me falta entender o conceito do 'Brasil País' ou da 'Belíndia" - em que ninguém é imigrante e, também, ao mesmo tempo, todo somos (tirando os 0,5% da população que constitui os indígenas). Os negros brasileiros são uma mistura doida de tudo e mais um pouco - o que não os torna menos negros, não me entenda mal. E entendi um pouco mais da população brasileira, da inserção numa cultura que é uma mistura de todas. Mas ali, naquele país europeu minúsculo, vi homens, mulheres e crianças imigrantes, lutando pra se inserir naqueles idiomas locais, no modo de viver europeu. Naquela região da cidade, quanto tivemos que parar na calçada para aguardar o semáforo de pedestres, saquei a minha câmera para fotografar aquele lugar que me parecia quase que perdido no tempo-espaço; flagrei um homem à nossa esquerda assistindo-me colocar a câmera de volta na bolsa. Ele não foi discreto. E assim que o semáforo ficou verde - por que diabos falamos em português que o "semáforo abre"?! continuo acidentalmente traduzindo -, segurei Amber pelo braço e fiz questão de andar atrás do homem, que não parava de lançar olhares pra trás. Sentia o sangue ferver e subir meu corpo. Quem ele pensava que era pra sequer pensar em roubar a minha câmera?! Odiei aquele homem. Ele quis tomar de mim meu instrumento de arte - algo que já foi meu violão -, só isso. (...) Assim que atravessamos a rua, puxei Amber para o meio daquela confusão de barraquinhas de uma instalação de um parque de diversões, sem saber se aquela era uma sábia decisão ou não. Me enfiei num espaço entre cabos, caixas de papelão e lixo despejado, tentando enxergar o homem. Avistei-o ir embora, ainda olhando pra trás, nos procurando - procurando a minha câmera -, mas desistindo de armar algum tipo de emboscada. Não consegui respirar de alívio; só conseguia ter muito ódio. Tomamos um caminho alternativo e eu só fazia xingar aquele ser humano que quase tomou minha câmera. Talvez só uma hora depois meu sangue tenha esfriado, quando já havia acenado pra Amber partindo em seu trem de volta pra Ronse, enquanto me encontrava ali sozinha na plataforma 9 (10? 11? Nem lembro mais) da Bruxelles-Nord, abaixando minha pressão. (...) Naquela plataforma à minha frente, em que as pessoas se encontravam tão distantes umas das outras, imersas em seus próprios mundos, um grupo parecia mudar a atmosfera, dançando e rindo alto. E fui muito mais calma caminhando até a estação da Eurolines, onde me encontrei cercada por negros e uns poucos brancos europeus - "I felt so white", pensei. Uma briga acontecia ali fora, no meu campo de visão. Amber havia me avisado que aquela era uma parte mais perigosa da cidade. Esperei algumas horas e peguei um ônibus num estado de aflição de tudo aquilo, da escuridão, de uma língua que não falo, mas um pouco acalmada pelas reflexões de Caetano Veloso; quis muito encontrar Sarah logo para dar-lhe um longo abraço e me sentir segura. (...)
Agora me sinto cansada, mas sem fome - embora tenha tido minha última refeição ontem aproximadamente às 16h. Me sinto segura em Strasbourg, nessa praça onde os ônibus vem e vão, sentada num banco um pouco molhado e... aguardando.
Sem mais,
Sofia
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
duas de três
Ganas de viajar
Quando viajamos, geralmente saímos de casa e para lá retornamos. Me parece estranho ter saído de casa para viajar e não estar retornando para lá ao final da viagem. Não percebi ainda que a minha viagem acaba logo, logo em Mostar. Daqui a oito dias vou estar retornando para casa depois de uma viagem, mas não pra mesma casa de onde saí logo há pouco. Não estou tão ansiosa para voltar ao colégio - embora diga estar. Parece muito estranho, agora; Mostar me parece um lugar muito longínquo e remoto, queimando sob as chamas do sol e a água do rio de cor esmeralda evaporada debaixo de pontes. Ainda penso em português. E sinto uma saudade muito estranha de meus amigos; uma vontade muito grande de voltar ao Brasil que me faz olvidar mi ganas de viajar y conocer el mundo. Logo, passa. Logo, estou por lá, feliz.
Verdades
O quão engraçado é que o livro de Caetano Veloso tenha virado a minha bíblia? Carrego-o para todo o lado, por todo o mundo. Na primeira página, abaixo do nome do primeiro dono daquele livro - Bruno Magalhães, 1998 -, assinei meu nome em tinta preta - Sofia Pontes Moreira, 2013 - e, no canto superior direito, passei a listar o nome de todas as cidades no qual ele foi - por mim - lido; e me dá gosto que a minha história se relacione com a de um livro - não a história escrita nele por milhares de palavras, mas a do objeto, do livro, daquele aglomerado e conjunto de páginas com letras impressas -. E não qualquer livro: minha bíblia, meu corão, minha torá, Verdade Tropical. Não toda a verdade, nem mesmo uma parte dela. Mas é a verdade de Caetano. E, por ora, a minha. Mas sempre naquela tropicalidade.
Quando viajamos, geralmente saímos de casa e para lá retornamos. Me parece estranho ter saído de casa para viajar e não estar retornando para lá ao final da viagem. Não percebi ainda que a minha viagem acaba logo, logo em Mostar. Daqui a oito dias vou estar retornando para casa depois de uma viagem, mas não pra mesma casa de onde saí logo há pouco. Não estou tão ansiosa para voltar ao colégio - embora diga estar. Parece muito estranho, agora; Mostar me parece um lugar muito longínquo e remoto, queimando sob as chamas do sol e a água do rio de cor esmeralda evaporada debaixo de pontes. Ainda penso em português. E sinto uma saudade muito estranha de meus amigos; uma vontade muito grande de voltar ao Brasil que me faz olvidar mi ganas de viajar y conocer el mundo. Logo, passa. Logo, estou por lá, feliz.
Verdades
O quão engraçado é que o livro de Caetano Veloso tenha virado a minha bíblia? Carrego-o para todo o lado, por todo o mundo. Na primeira página, abaixo do nome do primeiro dono daquele livro - Bruno Magalhães, 1998 -, assinei meu nome em tinta preta - Sofia Pontes Moreira, 2013 - e, no canto superior direito, passei a listar o nome de todas as cidades no qual ele foi - por mim - lido; e me dá gosto que a minha história se relacione com a de um livro - não a história escrita nele por milhares de palavras, mas a do objeto, do livro, daquele aglomerado e conjunto de páginas com letras impressas -. E não qualquer livro: minha bíblia, meu corão, minha torá, Verdade Tropical. Não toda a verdade, nem mesmo uma parte dela. Mas é a verdade de Caetano. E, por ora, a minha. Mas sempre naquela tropicalidade.
sábado, 3 de agosto de 2013
escolha - nem casa, nem dom
Na minha primeira noite na Bélgica, tive milhões de sonhos doidos. Sonhei com meu novo quarto, dessa vez em Susac (algo que não sei ainda, mas que meu subconsciente parece me contar); sonhei com um vírus; com quatro amigas de infância; com uma varanda e uma garagem. Dormi por horas a fio, talvez por jet lag, talvez por saudade de casa, talvez porque o calor me embalou nesse campo de sonhos do qual eu não queria sair. Talvez porque não me parecia real estar num lugar tão incomum, que não fosse casa, nem dom¹. Mas quando finalmente levantei, sentia-me feliz - como mais poderia estar?!
No meu primeiro dia na Bélgica, fui a um festival de música. Encantei-me com os prédios grudados de um vilarejo feito de tijolos, exatamente como eu os imaginava - Europa. Comi strogonoff belga, ouvi uma banda de seis irmãs, viajei numa mini van com uma família doidinha e muito divertida. Mas o que mais me impressionou nesse meu primeiro dia na Bélgica foi certa escolha: a escolha de língua cantada. Os belgas - que não falam belga - entre um flemish, um francês e um alemão optam por cantar em inglês. Não que bandas brasileiras não façam o mesmo, mas de todos os grupos que eu ouvi hoje, todos cantaram em inglês. Não porque é a única língua que eles têm em comum - nas escolas, teoricamente, todos têm que aprender ambos flemish e francês -, mas porque o inglês lhes soa muito melhor. Soa melhor pra compor, pra cantar, pra encaixar na melodia da música. Deu saudade do português. Percebi mais outra vez a beleza que é a língua portuguesa. Letras em inglês me soam tão banais e sem graça... Agora, letras em português - não todas, que fique claro - me parecem ter aquela magia, aquele chega de saudade, aquele encanto único e que parece tão supremo - embora não goste do uso dessa palavra. Caetano já dizia que saudade é essa palavra que é um lugar-comum na lírica luso-brasileira e um emblema da língua portuguesa, pois, além de ser um acidente etimológico inexplicado, cobre um campo semântico revelador de algo peculiar em nosso modo de ser.
Deixo-lhes uma Memória que talvez hoje me ajude a embalar no sono:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão
No meu primeiro dia na Bélgica, fui a um festival de música. Encantei-me com os prédios grudados de um vilarejo feito de tijolos, exatamente como eu os imaginava - Europa. Comi strogonoff belga, ouvi uma banda de seis irmãs, viajei numa mini van com uma família doidinha e muito divertida. Mas o que mais me impressionou nesse meu primeiro dia na Bélgica foi certa escolha: a escolha de língua cantada. Os belgas - que não falam belga - entre um flemish, um francês e um alemão optam por cantar em inglês. Não que bandas brasileiras não façam o mesmo, mas de todos os grupos que eu ouvi hoje, todos cantaram em inglês. Não porque é a única língua que eles têm em comum - nas escolas, teoricamente, todos têm que aprender ambos flemish e francês -, mas porque o inglês lhes soa muito melhor. Soa melhor pra compor, pra cantar, pra encaixar na melodia da música. Deu saudade do português. Percebi mais outra vez a beleza que é a língua portuguesa. Letras em inglês me soam tão banais e sem graça... Agora, letras em português - não todas, que fique claro - me parecem ter aquela magia, aquele chega de saudade, aquele encanto único e que parece tão supremo - embora não goste do uso dessa palavra. Caetano já dizia que saudade é essa palavra que é um lugar-comum na lírica luso-brasileira e um emblema da língua portuguesa, pois, além de ser um acidente etimológico inexplicado, cobre um campo semântico revelador de algo peculiar em nosso modo de ser.
Deixo-lhes uma Memória que talvez hoje me ajude a embalar no sono:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão
Carlos Drummond de Andrade
¹Dom = 'Casa ' em bósnio/sérvio/croata
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
você praça, eu acho graça
Tenho tendência a esquecer que eu não sou uma pessoa emotiva. Tenho tendência a odiar ser tão fria. Enquanto andava ontem a caminho da Praça do Por do Sol, ouvindo Caetano Veloso, lembrei que não sou dramática, que, na verdade, não sofro com essa coisa de adeus. Às vezes, me forço a sofrer por despedidas, por aqueles momentos que deveriam ser nostálgicos, que eu deveria guardar na minha lembrança e recordar quando o avião sobe ao céu. Mas não... Talvez, também não sofro porque sei que em um ano estarei de volta. E mais tarde, quando cheguei à Praça e sentei com um grupo de faces tão familiares - e uma que não via há muitos anos - e amadas, assistimos ao sol se por ali na nossa direita, discutindo se ele estava descendo pra direita ou pra esquerda. O ciclo continua quando a noite aparece lá em cima e logo vai surgindo no horizonte. Mas nostalgia? Não, acho que não. Não preciso sofrer, me torturar ou sentir como uma coisa negativa essas partidas, essas continuidades de ciclos. Sou vento, sou um mini mistério da cidade dos semáforos e das placas com a distância em km para o marco zero, sou nada.
Quis um dia pra mim mesma depois do meu intenso começo de semana: um dia pra dormir, estar comigo mesma, pensar sobre tudo. Não arrumo minha mala com antecedência porque não tenho problema em deixar coisas pra trás - tudo que é material é substituível. Amanhã, parto.
Quis um dia pra mim mesma depois do meu intenso começo de semana: um dia pra dormir, estar comigo mesma, pensar sobre tudo. Não arrumo minha mala com antecedência porque não tenho problema em deixar coisas pra trás - tudo que é material é substituível. Amanhã, parto.
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