Dos cachos louros e do sorriso maldoso
Nos meus blocos G, quando tinha aula em Velic - a casinha amarela do outro lado da rua do prédio do colégio, onde o UWC Mostar têm duas salas de aula - de Peace&Conflicts, sempre esperava me deparar com a minha tutor. A tutor num colégio IB é alguém "responsável por você" no âmbito acadêmico: é ela que olha sua notas, seu desempenho acadêmico e suas faltas com você. A tutor no UWC é bem mais do isso, porque além de ser o seu suporte acadêmico, ela é a pessoa com quem você compartilha os seus problemas residenciais ou sua saudade de casa ou seu problema com aquele aluno. E não é que eu fui pegar a tutor que, além de ser uma excelente pessoa, é uma psicóloga - por sinal, uma das melhores professores do mundo de IB Psychology -, sempre preocupada com seus tuties (aqueles que a tem como tutor). Não houve uma vez em que encontrei com ela no corredor que ela não tenha me perguntando como eu estava me sentindo ou o que eu estava fazendo nesses dias. Merima não é uma pessoa extramemente simpática. Ela não é do tipo que encanta a todos. Na verdade, ela tem um jeito bem durão, um olhar bem sério e bravo, que é o que lhe dá a autoridade que tem sobre os alunos. Ela é um pouco a Cruela Devil do colégio, de vez em quando, e não são tantas pessoas que gostam dela. Os alunos dela geralmente gostam dela, mas os outros, não. Por outro lado, sempre fui com a cara dela. Sempre gostei dela, daquele sorriso que ela me devolvia e quando ela me falava "é bom você não estar mentindo sobre estar bem" ou "seu sorriso sempre faz meu dia". Ela se irritava por eu não compartilhar minhas tristezas com ela, por eu sempre dizer que estava bem e eu só dava risada e falava pra ela que eu estava muito feliz. Foi ela que me apoiou quando eu tive meus pontos altos de insônia durante o semestre e acabava perdendo a primeira aula da manhã: ela apagou as minhas faltas - assim, sem mais nem menos, como se elas nunca tivessem acontecedo.
Não fui a única a ficar triste quando os boatos pela escola começaram: Merima deixaria a escola. Na verdade, fiquei um tanto quanto chateada que não teria aquela mulher na salinha de Velic pra visitar. E nunca mais pensaria aquilo que todos os alunos se perguntam: Velic cheira a Merima ou Merima cheira a Velic? Num dia desses em que nos encontramos no corredor, lancei uma ironia do tipo "você não tem algo pra me contar?". Ela levantou a sobrancelha da mesma maneira que havia levantado no semestre anterior quando eu fiquei sabendo que ela tinha se casado no final de semana anterior e havia feito a mesma pergunta. Ela disse que deveríamos sair para tomar um café e eu concordei, seriamente. Mas ela não precisou me dizer nada, porque os boatos já estavam à solta: ela se mudaria para a Malásia. Sim, porque o tal cara com quem ela tinha se casado - sem contar pra quase ninguém - era da Malásia, um cara que ela havia conhecido quando ela estudava lá. Eu não vou contar a história de amor deles - embora seja bem curiosa e interessante -, mas vou me limitar a dizer que ela estava se preparando pra deixar UWC Mostar, a escola na qual ela lecionava desde a primeira geração, o primeiro ano. Era uma perda pra nós e pra escola... Quem seria a minha tutor? Quem ensinaria psicologia pro meu primeiro ano (absurdamente viciado em psicologia...)?
Alguns dias antes de deixar Mostar, quando a maioria dos segundos anos já havia partido, me encontrei em Kariola com Merima para um café de despedida. Na verdade, era finalmente aquele café que não havíamos conseguido marcar antes, devido às nossas agendas lotadas. Foi muito agradável... Ela me contou um pouco sobre a Malásia e que estaria se mudando de Sarajevo (sim, embora desse aula em Mostar, ela morava em Sarajevo e ia pra lá todo final de semana) para lá em três semanas. Conversamos sobre a minha geração, sobre meus segundos anos... O momento que mais me assustou foi quando ela decidiu me dar conselhos sobre meus segundos anos. Foi uma pancada no estômago. Eu já tinha que aguentar todo dia os meus segundos anos falarem sobre como o segundo ano é tão mais puxado e difícil, mas eu tentava ignorar e não levar a sério... Mas quando Merima me deu um conselho pessoal e válido, me falando sobre como eu teria deadlines todos os dias, e que eu tinha que tomar cuidado pra não perdê-las e que eu ficaria, sim, muito mais estressada. Foi assustador. Eu ouvi com atenção, mas não sei se acreditei ou se quis levar tanto a sério. O nosso café acabou quando Merima fez um pequeno discurso sobre a minha pessoa... Sobre o quão feliz ela estava por ter me conhecido e outras coisas que não acho necessário registrar aqui, mas que eu nem ninguém nunca esperaríamos ouvir saindo da boca de Merima. Ela mal sorriu e mal parecia haver emoção no que ela falava, mas parecia verdade. Até porque, ela não tinha nenhuma necessidade de falar nada sobre mim e só falou porque quis... Saímos de Kariola: ela com o guarda-chuva em mãos e eu com roupas de verão. Caminhamos até Velic e foi ali que a vi pela última vez, me dando um sorriso e apertando os olhos. Uma grande mulher, eu pensei.
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