Aqui em casa, às vezes, quando eu sento em algum lugar e tenho uns flashes em curtíssimos intervalos de tempo que trazem à tona emoções (algo que Stanislavski chamaria de "emotion memory") que já tive algum dia. Muitas delas vêm do período de tempo que passei sem saber o que aconteceria com meu futuro (começinho do ano) e depois, de quando me despedia daqui e me entregava pro mistério do meu novo caminho. Sinto a agonia que tinha e o medo meio-não-sei-de-quê. E aí veio o UWC, todo aquele novo mundo diante de mim.
E eu tinha 16 anos e achava que sabia tanto da vida - e talvez soubesse muito mais do que a maior parte das pessoas da minha idade ao redor de mim, que não tinham passado por nem metade do que eu tinha - e achava que aquela vida nova nem ia ser um "baque" tão grande assim. E nem achei que foi até voltar pra cá e ver que não tolerava mais coisa que antes deixava passar, que tinha coisa que me revoltava tanto e coisa que eu nem ligava mais - tão irrelevantes...
Caí num "mini mundo com problemas de mundo" sobre o qual eu achei que já sabia muito. E fui desiludida. E fui encantada. E me apaixonei por algo que não é descritível nem pode ser reduzido à palavra "mundo". Que mundo vasto e grande! E cruel! E fascinante! Tanto a aprender, a ver, a sonhar, a ensinar e a amar.
Voltei com meu criticismo de sempre, mas muito mais apurado e agora tomando tanto cuidado com as palavras, com a reação que elas podem provocar. Palavras são armas de paz e armas de guerra. Ouvindo com tanta atenção, tentando pegar o sentido de cada palavra com os dedos da minha mão.
Não há nada que eu não associe com a minha vida em Mostar; não houve nenhum momento aqui ainda em que eu esquecesse as pessoas, a atmosfera, o amor, a liberdade: coisas tão fortes pra se nomear que ficam fortemente nomeadas. Fora as infinitas e infindáveis perguntas sobre meu aprendizado, sobre minha vida lá, eu ainda me pego com a minha emotion memory, com sorrisos brotados no meu rosto por piadas realmente internas que soam em minha cabeça ao longo de respostas longas que parecem - e já são - ensaiadas.
Esse break não é fácil. Não é fácil me dar conta de que aquela vida não é eterna e nem sequer o fim. Ainda tem tanto, tanto por vir na vida. E, Ai!, como eu tenho medo do que virá por não saber o que é. Saber que meus próximos um ano e meio estão razoavelmente planejados e aí um abismo...!
Mas sem viajar tanto sobre o futuro e voltando a me dar um pouco de conta sobre o presente... Kelly, minha segundo ano que estuda no Red Cross Nordic UWC, me disse que provavelmente o segundo term dela teria sido muito diferente se ela tivesse voltado pra casa no Winter Break, que ela não teria sofrido tanto tendo ilusões sobre as maravilhas do Brasil e tendo saudade tão enorme de casa... E Bebo me disse a mesma coisa numa noite em que conversamos e tomávamos aqueles isotônicos de limão
Voltar pra casa..., bom, não sei. Não é fácil. A liberdade é limitada, a quantidade de pessoas ao seu redor é limitada, a mobilidade pelo espaço é limitada, o transporte é limitado. Esse é um momento e lugar em que me sinto tão desamada e tão amada ao mesmo tempo que parece que algo em mim vai explodir. Família: amor, união, responsabilidade, mas dependência. Tantas definições confusas na minha cabeça e não sei se já está na hora de voltar pra Mostar. Quero muito, na verdade, mas sinto que não fiz tudo que deveria aqui ainda - e sei que nunca vou sentir que fiz. Nunca vou conseguir ver todos que eu gostaria e visitar todos os lugares que eu amo nesta cidade. Converso com muitos co-anos e segundos anos que me dizem não se imaginar em outro lugar agora que não em casa. Ai se me perguntassem... ah! a quantidade de lugares que eu poderia nomear nos quais poderia me imaginar agora...!
Muita gente interpreta errado, acha que não gosto daqui. Nunca fui muito caseira, é verdade. Mas amo, amo aqui e não vai ser fácil deixar o aqui outra vez; reforçar mais uma vez a decisão que eu tomei; deixar aqui pessoas que precisam de mim. Por mais cinco meses.
"dirigindo para longe. sozinha. no escuro."
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