segunda-feira, 23 de setembro de 2013

bandeiras, etnias e identidade

De repente, hay mucha cosa. Minha discussão intensa com um grande amigo por causa de um jantar; a crise no quarto de Maud por conta da coitada da Zahra (Afeganistão), a primeiro ano que chegou atrasada por conta de visto e acabou meio sem lugar em Musala; as conversas noturnas no meu quarto sobre a guerra e a divisão aqui; o "caso" entre dois grandes amigos; a crise emocional de um grande amigo; a crise na escola por causa de uma bandeira que foi levada no desfile de bandeiras no UWC Day. Sem contar todas as coisas da escola. A falta de tempo pra escrever me força a passar aulas com a caneta na mão, escrevendo toda a turbulência de pensamentos num caderno que mal foi utilizado no ano passado.

Sento mais direta, falarei sobre as tais conversas noturnas. Desde algum dia Tamar (Georgia/Israel) começou a ir no meu quarto depois do check-in pra que conversássemos e comêssemos miojo - um hábito péssimo, mas que sacia nossa fome. Acontece que várias pessoas acabam se juntando à nossa conversa. Amina (minha roommate), Ajsa, Aida e Natasa (minha roommate) são melhores amigas de diferentes etnias que são completamente incríveis e abertas pra discussões. Elas acabam sentando na minha cama ou na minha cadeira e entrando na nossa conversa. Às vezes, Amber (Bélgica) ou Yaara (Israel) ou Chloe (Reino Unido) se juntam a nós. Mas o que importa é que talvez tenhamos tido conversas não tão profundas, mas pelo menos três vezes acabamos conversando de forma muito profunda e complexa sobre o conflito na Bósnia&Herzegovina. Todo dia me impressiono mais e mais. Embora tenha morado um ano aqui, nunca tinha tido conversas tão abertas e sinceras sobre o assunto como tenho com essas incríveis mulheres que moram no meu quarto (embora só duas delas morem lá oficialmente).
Ontem, acabamos conversando por mais de duas horas. Na noite anterior, também. Tudo porque, o UWC Day aconteceu no sábado, junto com o Dia Internacional da Paz. O UWC Day em Mostar incluiu um desfile de bandeiras e um festival de arte de rua (o último organizado por Uri e eu). Eu - e vários de meus amigos - não queria participar do desfile de bandeiras; acabei não participando simplesmente porque fiquei na Spanish Square arrumando todo o equipamento pro festival de arte de rua. Mas fiquei chocada que o desfile tenha causado tal conflito na escola.
Pra contextualizar um pouco, é bom lembrar (ou explicar) que os bósnios-croatas carregam bandeiras da Cróacia, os bósnios-sérvios carregam bandeiras da Sérvia ou da Republika Srpska e os bosniaks geralmente carregam a bandeira oficial da Bósnia&Herzegovina. É difícil entender, não? Bom, mas o conflito na escola começou porque Ajsa (a mesma mencionada a cima) trouxe a bandeira que supostamente é a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina. Durante o desfile, eu não sabia nada sobre essa bandeira; já tinha a visto, mas não sabia o que ela representava. O que aconteceu foi que alguns amigos (internacionais) vieram até mim e pediram pra que eu não postasse nenhuma foto em que essa tal bandeira aparecesse, porque, segundo eles, era a bandeira do exército bosniak durante a guerra. Eu concordei, meio sem entender - até porque eu não tinha tirado nenhuma foto em que qualquer bandeira aparecesse. No mesmo dia, à noite, no meu quarto, comecei a entender melhor o que tinha acontecido. Alguns alunos internacionais deram um Photoshop nas fotos com a tal da bandeira da "flor de lys", o que deixou alguns alunos locais enfurecidos. Ajsa começou a me explicar toda a história da bandeira, do brasão e da flor de lys, sobre como representa a dinastia Kotromanić, que era a monarquia do século XII (ou algo assim) e sobre como foi a bandeira da República da Bósnia&Herzegovina assim que ela ganhou independência da Iugoslávia em 1992. Tudo começou a fazer sentido... E aínda por cima, Ajsa e Amina me explicaram que a atual bandeira da BiH não passa de uma coisa ridícula que representa o desejo do país de pertencer à União Europeia (o que explica as estrelas e o azul do fundo). Ok, mas o problema vinha do fato de que a bandeira do exército bosniak era extremamente parecida com essa tal bandeira e, com a guerra, os bósnios-croatas e os bósnios-sérvios começaram a enxergar essa antiga bandeira como símbolo da etnia bosniak, enquanto, na verdade, a bandeira não é nada mais do que a união das três etnias.
A nossa conversa me ensinou muito e me fez ver que o tal uso das bandeiras croata e sérvia pelos habitantes da BiH não é só inteligível para internacionais como também é para locais. Ajsa e Amina são ambas bosniaks e acham muito estúpido esse uso das bandeiras. Perguntei sobre a diferença cultural, que é muitas vezes usada como desculpa para, por exemplo, bósnios-croatas que dizem se identificar mais com a cultura da Cróacia do que com a cultura da Bósnia&Herzegovina. As duas deram risada e me disseram que é uma questão um tanto quanto econômica, considerando a Cróacia tem uma posição econômica muito melhor do que a Bósnia&Herzegovina. Elas me fizeram ver o quão vinculado à tradição e à religião esse conflito é. Deixou coisas muito mais claras pra mim e, ao mesmo tempo, algumas coisas bem mais confusas. É possível que um conflito no século XXI ainda seja tão ligado à religião? Uma professora de História me fez achar que nenhum conflito ou guerra recente acontece por motivos religiosos; mas aqui, a única coisa que separa as famílias, as pessoas, a língua, as tais nacionalidades é a tradição religiosa.
E agora me encontro nesse espaço engraçado em que eu sou uma internacional com visões locais. Algo que raramente - ou nunca - acontece. Exatamente pelo fato de que, pra nós que somos de fora, é extremamente difícil compreender toda essa história que esse país carrega de forma tão tensa. As coisas explodem em segundos.

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