sábado, 3 de agosto de 2013

escolha - nem casa, nem dom

Na minha primeira noite na Bélgica, tive milhões de sonhos doidos. Sonhei com meu novo quarto, dessa vez em Susac (algo que não sei ainda, mas que meu subconsciente parece me contar); sonhei com um vírus; com quatro amigas de infância; com uma varanda e uma garagem. Dormi por horas a fio, talvez por jet lag, talvez por saudade de casa, talvez porque o calor me embalou nesse campo de sonhos do qual eu não queria sair. Talvez porque não me parecia real estar num lugar tão incomum, que não fosse casa, nem dom¹. Mas quando finalmente levantei, sentia-me feliz - como mais poderia estar?!

No meu primeiro dia na Bélgica, fui a um festival de música. Encantei-me com os prédios grudados de um vilarejo feito de tijolos, exatamente como eu os imaginava - Europa. Comi strogonoff belga, ouvi uma banda de seis irmãs, viajei numa mini van com uma família doidinha e muito divertida. Mas o que mais me impressionou nesse meu primeiro dia na Bélgica foi certa escolha: a escolha de língua cantada. Os belgas - que não falam belga - entre um flemish, um francês e um alemão optam por cantar em inglês. Não que bandas brasileiras não façam o mesmo, mas de todos os grupos que eu ouvi hoje, todos cantaram em inglês. Não porque é a única língua que eles têm em comum - nas escolas, teoricamente, todos têm que aprender ambos flemish e francês -, mas porque o inglês lhes soa muito melhor. Soa melhor pra compor, pra cantar, pra encaixar na melodia da música. Deu saudade do português. Percebi mais outra vez a beleza que é a língua portuguesa. Letras em inglês me soam tão banais e sem graça... Agora, letras em português - não todas, que fique claro - me parecem ter aquela magia, aquele chega de saudade, aquele encanto único e que parece tão supremo - embora não goste do uso dessa palavra. Caetano já dizia que saudade é essa palavra que é um lugar-comum na lírica luso-brasileira e um emblema da língua portuguesa, pois, além de ser um acidente etimológico inexplicado, cobre um campo semântico revelador de algo peculiar em nosso modo de ser.

Deixo-lhes uma Memória que talvez hoje me ajude a embalar no sono:

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão


Carlos Drummond de Andrade


¹Dom = 'Casa ' em bósnio/sérvio/croata

Nenhum comentário: