terça-feira, 18 de novembro de 2014

retornos e enganos - parte 1

Curioso é que ainda retorno. Retorno, às vezes, abrindo as páginas desse endereço meramente metafórico. Outras vezes, em sonhos, que, às vezes, não passam de calabouços e, outras, são puro júbilo de atos simples e ordinários como acordar uma amiga antes de me enfiar debaixo do cobertor e cochilar.

Meu plano inicial (ou final? ou quase final?) de colocar um ponto final nesse blog sem de fato colocar um ponto final nesse blog me parece um fracasso. Talvez por isso eu continue retornando. Porque há algo inacabado nessa multidão de palavras deslocadas, arrastadas e gravadas pelo tempo.

Assim como vários coisas que carrego e uso e digo, a Escala tem significados inúmeros. Não gosto de monosignificados. Escala é uma palavra rica, tanto no português quanto no espanhol. E é uma palavra que me foi adotada pela sua presença num desenho que uma vez foi feito à lápis grafite numa mesa de plástico debaixo do viaduto da Baixada do Glicério. Pediamos que aqueles artistas desenhassem suas vidas, seus sonhos, suas realizações. Não me lembro se estava naquela mesa naquele dia. Mas lembro que quando coletei os papeis, não pude resistir à vontade de tomar aquilo antes que fosse parar no lixo. E talvez ali estivesse um pouco de Liesel em mim, o que só percebi dois anos depois, sentada num cinema ao céu aberto em Córdoba.

Nas minhas últimas férias, procurei tanto aquele desenho. Eu tinha certeza que ainda o tinha. Mas pensei que talvez o tivesse levado pra Mostar em algum momento. E tentei relembrar se tinha jogado fora o desenho quando limpava o quarto e empacotava a pequena parcela das minhas coisas que eu manteria como meus 'bens materiais'. Pois aqueles últimos dias são tão embaçados na minha memória. Revirei tantos papeis que não consigo lembrar. Mas seria a minha cara jogar o desenho fora. "Um sinal de que as coisas acabaram e devem acabar", eu teria pensado ao jogar o desenho junto a uma pilha de provas, de textos de história, de relatórios de biologia. Mas, não. Por que diabos eu teria feito tamanha besteira?! Aquele desenho significava coisas pra mim antes de eu partir e não era meu direito me livrar dele daquela forma.

Pois é tarde demais pra lamentar tais perdas. Talvez algum dia eu o encontre. E talvez naquele dia eu ainda não tenha esquecido a senha desse usuário. O que me cabe relatar aqui é que o desenho se tratava de uma casa.

Era uma casa em algum lugar que eu não sabia onde. Havia uma árvore de um lado. Talvez houvesse um sol no topo do papel, não me lembro ao certo. Não lembro se haviam flores, mas quando penso naquele desenho, imagino flores ao lado da casa. Pois era uma casa bem simples: paredes, telhado, janelas, porta. Uma típica casa desenhada por uma criança. Mas quem havia desenhado aquilo não era uma criança, era alguém que não tinha uma casa. Era um morador de rua, um sem-teto, um desabrigado. Não importa o termo politicamente correto que você queira usar.

Eu pegara aquele desenho pois ele despertara uma curiosidade gigantesca em mim. Mas não havia sido simplesmente pelo objeto central; havia sido pela plaquinha desenhada ao lado, onde se lia "Escala Girassol". Eu não sabia se era um desenho. Se era o passado. Um lugar real ou um lugar imaginário. Mas estava ali, uma escala. E, na minha memória, havia um girassol desenhado ao lado da casa. Pequenino.

Mas talvez eu esteja enganada.

PS: Acho (e sei) que havia em mim um grande medo de escrever esse post. Encontro-me aliviada por finalmente o ter feito, mesmo sabendo que o lerei em alguns dias e terei o desenho de apagá-lo pra sempre pela escolha das palavras, pela forma brega, "cheesy" de relatar e explicar origens. 

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