quinta-feira, 22 de maio de 2014

eu deixarei os versos



(..) Mas então pensei que ainda faltava uma parte a ser desvendada. Por que havia escrito que o poema havia sido muito significativo para mim? Vou lê-lo. Era a Tabacaria. Havia me enganado: não era simplesmente aquele trecho e aquele pedaço do meu caminho debaixo das terras paulistanas. Era a tabacaria do outro lado da rua.  

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora; e à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro

É a sensação de que tudo que passou foi só um sonho e as coisas mais concretas são os lugares físicos e as pequenas lembranças deles. A sensação de que falhei em tudo. Mas a lealdade ridícula que devo ao lugar físico que me proporcionou os sonhos das coisas reais por dentro, como a emoção da última dança no salão escuro e abafado.

E leio as palavras reconhecendo que esse poema se encaixa mais com o que sou agora do com o que fui. Mais com minhas dúvidas e descobertas de agora. 

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 

Sabendo que não faço nada além de pensar e pensar, e gastar pensamentos sem escrevê-los, sem lembrá-los. Desperdiço-os sem piedade, por medo de lembra-los, medo de concretizá-los em poesia, em prosa, em versos, em rabiscos discretos.

E sou péssima em escrever sobre finais. Porque tenho medo de mortalizá-los. Medo de torná-los mais banais do que já são. Tenho medo de dramatizá-los e torná-los mais dramáticos do que já são. Tenho esperança de lembrá-los de forma errônea, deslizada, singela. Porque tenho mais medo de saber a verdade no futuro do que de me enganar com falsas lembranças sobre o Dono da Tabacaria e concretas noites sem dormir.

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